Invasão do Capitólio começou a ser preparada logo após as presidenciais

por RTP
Reuters

A milícia de extrema-direita Oath Keepers começou a preparar a marcha sobre o Capitólio dois dias após as eleições presidenciais de 3 novembro de 2020, avança a agência Associated Press.

Com dificuldade em aceitar os resultados eleitorais, e por entender que a vitória de Donald Trump tinha sido “roubada”, o líder da milícia escrevia aos correligionários: “Não vamos passar por isto sem uma guerra civil”. De acordo com os documentos judiciais aos quais a Associated Press teve acesso, Elmar Stewart Rhodes acrescentou: “Preparem a vossa mente. corpo. espírito”.
 
Quatro dias depois, a 9 de novembro, Rhodes instava os restantes membros da milícia para: “recusar aceitá-lo e marchar em massa sobre o Capitólio da nação”. Durante uma reunião online, na plataforma GoToMeeting, sugeriu que se deslocassem a Washington para apoiarem Donald Trump, tendo ainda manifestado esperança de que o então Presidente convocasse a milícia para o ajudar a continuar em funções. “Vai ser uma luta sangrenta e desesperada. Vamos ter de lutar. Isso não pode ser evitado”, terá dito Rhodes, de acordo com as autoridades.
 
Após um ano de investigação à invasão do Capitólio, na quinta-feira, o FBI deteve Elmer Stewart Rhodes e mais 10 membros dos Oath Keepers. Entre os membros do grupo está Frank Eathorne, presidente do Partido Republicano do Wyoming, conhecido pela iniciativa para destituir a senadora Liz Cheney.

A acusação é de conspiração sediciosa, mas Rhodes diz que está inocente e vai preparar a sua defesa. A Associated Press também cita documentos que apontam para a mobilização rápida para “subverter os resultados eleitorais por meio da força e da violência”, embora não se considere que tenha havido fraude eleitoral generalizada e tanto Trump como as autoridades eleitorais locais tenham dito que a votação foi livre e justa.

Os Oath Keepers seguiram as instruções do seu líder, tendo debatido armamento e treino. Alguns dias antes do ataque, um dos detidos sugeria em mensagem de texto que as armas deveriam ser transportadas de barco pelo rio Potomac. Outros membros falam num arsenal que estaria em minutos à sua disposição. De acordo com a investigação, Stuart Rhodes terá gasto cerca de 15 mil dólares em armas de fogo e equipamento como espingardas, AR-15, suportes e miras.

Já em meados de Dezembro, o líder os Oath Keepers terá publicado uma carta no site do grupo “defendendo o uso da força para travar a transferência legal de poder presidencial”, referem os documentos judiciais.

Edward Vallejo, outros dos acusados, escreveu que “toda a gente tem o seu próprio equipamento e sabe como usá-lo”. As armas foram guardadas em hotéis, designados de “QRFs” – que em gíria militar significa “força de reação rápida”- localizados nas delimitações do distrito federal de Columbia.

Na manhã de 6 de janeiro de 2021, os Oath Keepers apareceram vestidos de camuflado e com capacetes. Entraram no Capitólio com a multidão que invadiu as barreiras policiais, partiu janelas, feriu dezenas de polícias e pôs em fuga os senadores.

Ainda segundo a acusação, os Oath Keepers formaram duas equipas: uma estava dentro do Capitólio e subdividiu-se para ir à Câmara dos Representantes - onde esteve à procura da sua líder Nancy Pelosi - e ao Senado; a outra confrontou-se com polícias na Rotunda do Capitólio.

Durante a invasão Rhodes escreveu no grupo de conversa: “Tudo o que Trump faz é queixar-se. Não vejo nenhuma tentativa da parte dele para fazer alguma coisa. Então, os patriotas estão tomar o assunto nas suas próprias mãos. Eles já tiveram o bastante”.

Estamos a agir como os pais fundadores”, respondeu outro elemento do grupo em plena invasão. “Não podemos ficar parados”, acrescentava.

Quem é o líder dos Oath Keepers?

Elmer Stewart Rhodes III, de 56 anos, é um antigo militar, ex-páraquedista, que foi dispensado após ferimentos durante um acidente noturno.
 
De acordo com a mulher, que tenta obter o divórcio há anos, Rhodes imaginava-se o “próximo George Washington” e apresenta traços de um “verdadeiro sociopata”.

Quando se conheceram, Rhodes trabalhava como manobrista e Tasha Adams como professora de dança em Las Vegas. Rhodes também era instrutor de armas de fogo, tendo sido atingido num olho quando deixou cair uma arma e ela disparou.

Estudou à noite na Universidade do Nevada e trabalhou para o congressista Ron Paul, antes de ser aceite no curso de Direito na prestigiada Universidade de Yale. Concluiu a licenciatura em 2004 e foi trabalhar para o juiz do Supremo Tribunal do Arizona, Michael Ryan, antes de se mudar para o Montana para aí exercer.

Rhodes fundou os Oath Keepers em 2009 por querer lutar contra o que considerava ser a “tirania iminente” das autoridades federais. Recrutou atuais e antigos militares, policiais e socorristas. O seu lema é “não no nosso turno”.

De acordo com a página de Internet do grupo, os membros dos Oath Keepers prestam o mesmo juramento que os militares e polícias: “defender a Constituição contra todos os inimigos, estrangeiros e domésticos”.

Rhodes revelou que, no auge do grupo, os Oath Keepers tiveram cerca de 40.000 membros. Um especialista em segurança citado pela Associated Press estima que atualmente sejam cerca de três mil membros. Pouco depois da formação do grupo, Rhodes foi acusado de negligência na sua prática de direito e deixou de exercer em 2015.

Os Oath Keepers envolveram-se em vários confrontos com o governo durante os anos da presidência de Barack Obama, entre os quais um impasse armado contra o governo federal no Bundy Ranch em Bunkerville, Nevada.

Antes de ter sido detido, Rhodes ter-se-á distanciado dos elementos do grupo que já estavam sob alçada das autoridades, alegando que tinham agido por conta própria e que nunca houve um plano para entrar no Capitólio.

Conspiração sediciosa
A acusação de conspirar para derrubar o Governo é rara nos Estados Unidos, em parte devido à dificuldade em conseguir uma condenação.

A última vez que foi aberto um caso de conspiração sediciosa foi em 2010. Tratava-se de uma suposta conspiração de membros da milícia Hutaree para incitar à revolta contra o governo. Os acusados foram absolvidos dois anos depois.

A última acusação de sedição bem-sucedida foi em 1995, quando um clérigo egípcio e nove seguidores foram condenados no âmbito de uma conspiração para fazer explodir as Nações Unidas, o prédio do FBI, dois túneis e uma ponte que liga Nova Iorque e Nova Jérsia.

No caso da invasão do Capitólio, foram acusadas até ao momento mais de 700 pessoas, a maior parte por invasão de um edifício com acesso restrito. Cerca de 150 pessoas foram acusadas de agressão às forças de segurança. Os membros de outro grupo, os Proud Bouys, foram acusados de conspiração.
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