Irão assume ter excedido limites marcados pelo acordo nuclear

por Graça Andrade Ramos - RTP
O ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Javad Zarif, em 26 de maio de 2019 Reuters

Teerão começou a pressionar os parceiros europeus do acordo nuclear assinado em 2015, para conseguir destes maior proteção do país contra as sanções norte-americanas. Javad Zarif, ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, reconheceu esta segunda-feira que o país já está a violar alguns dos termos do acordo nuclear de 2015.

Citado pela agência iraniana de notícias ISNA, Zarif confirmou rumores de que Teerão já ultrapassou nomeadamente a quantidade de hexafluoreto de urânio (UF6) autorizada sob o acordo a ter sob armazenamento.

"O Irão ultrapassou o limite de 300 quilos previstos nesse plano", especificou.

"O nosso próximo passo será enriquecer urânio até aos 3.67 por cento autorizados sob o acordo", disse ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros de Teerão, de acordo com a televisão iraniana IRIB. O enriquecimento terá lugar já partir de julho.

O nível de 3.67 por cento de enriquecimento está dentro dos limites adequados para gerar energia com fins civis. Acima deste valor inicia-se o processo que pode levar à produção de material mais refinado necessário para produzir armas nucleares.

O Irão sempre negou ter intenções de desenvolver a bomba atómica.
Londres inquieta
O homólogo britânico de Zarif, Jeremy Hunt, já reagiu e assumiu ter ficado "profundamente inquieto" com o anúncio iraniano que, afirma, "rompe com as obrigações nucleares atuais".

"O Reino Unido continua determinado em manter o acordo na prática e usará de todas as vias diplomáticas para diminuir as tensões regionais", acrescentou. "Exortamos o Irão a evitar quaisquer passos que o afastem do JCPOA (Plano Abrangente de Ação Conjunta, na sigla inglesa) e regresse ao seu cumprimento", declarou também Hunt.

O gabinete da primeira-ministra em exercício, Theresa May, já disse que "estão a ser estudados os próximos passos com os nossos aliados sob os termos do Acordo Nuclear iraniano".

Sexta-feira passada, uma reunião dos signatários do JCPOA, em Viena de Áustria, foi considerada por Teerão como um passo na "boa direção", mas insuficiente para dissipar os receios iranianos face às sanções impostas pela Administração Trump, desde que esta denunciou em maio de 2018 o acordo assinado por Barack Obama.

Teerão avisou então os restantes parceiros do Acordo, de que iria romper algumas cláusulas nele previstas, afirmando que a Alemanha, a França, o Reino Unido, a China e a Rússia, não tinham feito o suficiente para proteger o Irão.
Pressão sobre os europeus
As potências europeias lembraram nessa altura que o INSTEX, um novo sistema comercial desenhado por alemães, franceses e britânicos, para contornar as sanções americanas, está já operacional.

Teerão respondeu que os efeitos do mecanismo ficam aquém do esperado. Apesar disso, aplaude o esforço.

"Apesar de não responder às exigências da República Islâmica, ou às obrigações europeias, tem um valor estratégico, ao mostrar que os aliados mais próximos dos Estados Unidos se estão a distanciar da América nas suas relações económicas", comentou Javad Zarif, esta segunda-feira.

"Isto terá certamente efeitos a longo prazo", afirmou o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros em entrevista à televisão estatal.

O seu vice-ministro, Abbas Mousavi, que esteve presente em Viena de Áustria, sexta-feira, diz que os passos a dar por Teerão são "reversíveis", o que parece explicar os anúncios desta segunda-feira como uma forma de pressão sobre os signatários europeus do Acordo.
AIEA atenta
Durante a tarde, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), confirmou que, efetivamente, o armazenamento ultrapassou o previsto do Acordo.

"A agência verificou a 1 de julho que as reservas totais de urânio enriquecido ultrapassaram os 300 quilogramas" e o diretor-geral da AIEA, Yukiya Amano, informou o conselho dos governadores do organismo da ONU, indicou o porta-voz da agência, numa declaração escrita pouco depois de Teerão ter anunciado que havia excedido o limite fixado.

Quarta-feira passada, de acordo com fontes diplomáticas citadas pela Agência Reuters, a AIEA verificou que o Irão tinha cerca de 200 quilos de urânio fraco, pouco abaixo do limite de 202.8 quilos imposto no Acordo. A agência não comentou essas informações.

O JCPOA foi assinado em 2015 pelo Irão e seis potências mundiais e levantou grande parte das sanções impostas ao Irão, em troca de restrições severas ao seu programa nuclear, tentado adiar em dois a três anos o momento em que o país ficaria capaz de produzir armamento nuclear.

Em 2017, o novo Presidente norte-americano, Donald Trump, acusou o Irão de não estar a respeitar os termos do acordo, tendo acabado por o denunciar e voltando a aplicar sanções a Teerão.

Uma decisão que não caiu bem aos outros aliados e signatários, sobretudo europeus, que aproveitaram o regresso do Irão aos mercados internacionais para estabelecer diversos acordos comerciais de vulto.
"Nunca ameacem um iraniano"
Num discurso transmitido pela televisão estatal, Javad Zarif deixou recados aos Estados Unidos e a Trump. "O Irão nunca se vergará à pressão dos Estados Unidos", garantiu.

"Se quiserem falar com o Irão, deveriam mostrar respeito", acrescentou, repetindo que a ideia de que o país não receia um eventual conflito. "O Irão sempre resistiu à pressão e foi respeitoso quando foi respeitado".

"Nunca ameacem um iraniano", avisou, num evidente apelo patriótico.

Donald Trump tem proposto negociações "sem pré-condições", mas Teerão afasta a possibilidade até que os Estados Unidos regressem ao pacto nuclear e afaste as sanções.

A crise iraniana surge num contexto regional mais vasto, que envolve a guerra síria e o combate entre o Islão xiita e o Islão sunita, pela supremacia na região.

Um dos exemplos mais violentos destes "conflitos por procuração" é o caso do Iémen, onde as milícias xiitas recebem apoio do Irão, enquanto a Arábia Saudita lidera uma coligação militar sunita pelo controlo do território, a sul das suas fronteiras.
Acusações de Israel
O Irão é a principal potência xiita mundial e enfrenta os países sunitas do Golfo, com a Arábia Saudita à cabeça. Israel também considera o regime dos Ayatolas uma ameaça, já que Teerão quer varrê-lo do mapa.

Israel, aliado dos Estados Unidos tal como a Arábia Saudita, e integrado na campanha internacional anti-iraniana, recordou por isso, esta segunda-feira, as acusações feitas ao Irão, de que o país foi responsável pelos recentes ataques a petroleiros em trânsito no Golfo.

O chefe da Mossad, os serviços secretos israelitas, assentou as acusações "nas melhores fontes dos serviços de informação israelitas e ocidentais" e apontou o dedo especificamente à Guarda Revolucionária iraniana.

Yossi Cohen disse que estes ataques foram aprovados pela liderança iraniana. "Através deles, o Irão está a tentar dizer ao mundo que não teme uma escalada, e que se as sanções não forem removidas ou aliviadas, irá causar problemas sérios ao mercado petrolífero global".

Washington já ameaçou sancionar todos os países que adquiram petróleo ao Irão. Pequim, envolvida por sua vez numa guerra de tarifas com os norte-americanos, respondeu que "não reconhece as sanções", mas evitou comprometer-se na aquisição, ou não, do crude iraniano.

Como principal potência do Islão xiita, Teerão é um dos principais aliados do Governo sírio, igualmente xiita, a quem ajudou a combater a ameaça do grupo extremista sunita Estado Islâmico e de outros grupos islamitas, muitos deles apoiados pela Arábia Saudita e outros países árabes do Golfo, e pela Turquia.

Também a Rússia é aliada de Damasco, ao lado do Irão, sendo, tal como a China, um dos signatários do JCPOA.
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