Myanmar. Processado monge budista hostil a Aung San Suu Kyi

por RTP
Ashin Wirathu (ao centro) Dinuka Liyanawatte, Reuters

Um tribunal em Myanmar emitiu um mandado de detenção para o monge Ashin Wirathu, o controverso monge antimuçulmano, que tem também criticado uma das líderes mais importantes do país, Aung San Suu Kyi, a vencedora do prémio Nobel da paz de 1991.

Apesar da sua intolerância, não terá sido esse o motivo pelo qual o monge é procurado. Embora sem confirmação das autoridades sobre as suas exatas acusações, Wirathu estará a ser acusado de insultar Aung San Suu Kyi numa série de discursos.

Wirathu defende fortemente o exército birmanês e quer que seja obrigatório venerá-lo como se venera Buddha. Além disso, apoia a Constituição criada pelos militares, que Aung San Suu Kyi está a tentar alterar.

Por outro lado, o monge acusa a líder birmanesa de levantar dificuldades aos esforços feitos pelo exército para defender a maioria budista do país contra o que denomina de "ataque muçulmano". Acusa também o partido maioritário de Suu Kyi, a Liga Nacional para a Democracia, de apoiar secretamente a agenda muçulmana. 

Por último, num discurso feito neste mês de maio, Wirathu disse que um dos membros do governo estava "a dormir com um estrangeiro". Aung San Suu Kyi foi casada com um professor britânico, antes de este falecer em 1999. 

Wirathu não foi ainda detido, mas o juiz pediu às autoridades policiais que o apresentassem à Justiça antes do dia 4 de junho. 

"Eu estou em Yangon. Não estou a esconder-me", disse Wirathu ao The New York Times. E insistiu: "Eles podem vir prender-me. Não tenho medo da prisão". 
Quem é Ashin Wirathu

O monge, habitualmente residente no mosteiro em Mandalay, é conhecido pela sua discriminação contra os muçulmanos. Autointitula-se de "Bin Laden birmanês" e descreve os muçulmanos como "cães raivosos" que "estão a procriar demasiado depressa", "a roubar as nossas mulheres, a violá-las", e "querem ocupar o nosso país". No entanto, os muçulmanos constituem apenas cinco por cento da população. 

Em 2003, Wirathu foi detido e cumpriu uma pena de 10 anos por incitar motins violentos contra muçulmanos e, quando foi libertado, tornou-se a figura principal da Associação para a Proteção da Raça e da Religião, Ma Ba Tha, organização criada por um grupo de monges nacionalistas para restringir a conversão religiosa e o casamento inter-religioso.

Em 2017, um comité governamental constituído por monges proibiu Wirathu de pregar durante um ano, pois este "transmitiu repetidamente discursos de ódio contra religiões para causar discórdia na comunidade". No ano seguinte, foi expulso do Facebook, por fazer publicações provocatórias sobre a minoria muçulmana.
A situação da minoria rohingya em Myanmar 

A condição dos rohingya na antiga Birmânia é particularmente preocupante. A minoria étnica foi considerada pela ONU uma das mais perseguidas minorias no mundo. 

Durante a II Guerra Mundial, os muçulmanos rohingya aliaram-se aos ingleses, lutando contra os budistas. Após a independência em 1948, o novo governo recusou cidadania e propriedade de terras aos membros da minoria; proibiu-os de terem mais de dois filhos, assim como proibiu a sua deslocação sem autorização oficial. 

Ao longo dos anos, o regime tem tentando expulsar a minoria do país e repovoar as terras com outros habitantes. Até agora, mais de 900 mil foram expulsos. 

A ONU já se pronunciou sobre este caso, condenando as violações de Direitos Humanos, e utilizando mesmo o termo "genocídio" para caraterizar a perseguição da minoria.

Porém, Aung San Suu Kyi tem negado a existência de uma limpeza étnica em curso e tem minimizado a violência contra a minoria muçulmana, tendo já havido pedidos para que o Prémio Nobel lhe fosse retirado.

A líder encontra-se sob pressão dos budistas ultranacionalistas, embora exista uma crescente rejeição do monge Wirathu por parte da população. O mandado de captura poderá então contribuir para o partido de Suu Kyi ganhar mais apoio popular, considerando a existência de eleições em 2020, especula o analista David Mathieson.

pub