Neutralidade carbónica. O que está a falhar?

por Joana Raposo Santos - RTP
Ao ritmo atual, os planos internacionais para eliminar as emissões de carbono até 2050 arriscam falhar esse objetivo por 60 por cento. Flavio Lo Scalzo - Reuters

Em meados deste ano, a Agência Internacional de Energia lançou um alerta: para que possa ser atingida a meta da neutralidade carbónica até 2050, os Governos devem agir velozmente e nenhuma nação pode aprovar novos projetos de uso ou exploração de carvão nem de combustíveis fósseis. Esta quarta-feira, a AIE deu más notícias: as "emissões zero" de carbono até meio deste século estão longe de ser alcançadas, parcialmente por culpa do lento ritmo dos planos mundiais. Para piorar a situação, a China acaba de anunciar a construção de mais centrais elétricas movidas a carvão.

“A segurança energética deve ser a premissa sobre a qual um sistema moderno de energia é construído” e, por essa razão, “a capacidade de auto-fornecimento de energia deve ser aumentada”, declarou na terça-feira o Governo chinês, em comunicado.

“Dado o lugar predominante do carvão na energia e recursos do país, é importante otimizar a capacidade de produção de carvão e construir centrais elétricas avançadas movidas a carvão, de acordo com as necessidades de desenvolvimento. É também necessário continuar a eliminar as centrais de carvão antiquadas. A exploração de petróleo e de gás vai ser intensificada”.

O anúncio do Executivo chinês chegou depois de uma reunião entre a Comissão Nacional de Energia de Pequim e o primeiro-ministro Li Keqiang. No centro do debate estiveram os recentes cortes de eletricidade e encerramentos temporários de fábricas devido à crise da energia na China.

No passado, Pequim chegou a comprometer-se a alcançar a neutralidade carbónica até 2060. Para tal, o país teria de encerrar cerca de 600 centrais elétricas a carvão.

Agora, porém, esse compromisso fica em suspenso e vem ainda colocar um entrave à meta mundial de atingir “emissões zero” de carbono até 2050. O anúncio da China deverá ser razão de alarme e motivo de discussão já no final deste mês, quando tiver início a Cop26 (Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas).

Mas, mesmo sem este novo problema, a neutralidade carbónica já estava comprometida: segundo a Agência Internacional de Energia, o vagaroso ritmo das nações em geral, só por si, está a impedir que o objetivo seja alcançado na data prevista.
São necessários quatro biliões de dólares de investimento em “energia limpa”
Ao ritmo atual, os planos internacionais para eliminar as emissões de carbono até 2050 arriscam falhar esse objetivo por 60 por cento. O alerta é da Agência Internacional de Energia, que exortou os líderes a usarem a vindoura cimeira do clima para enviar um “sinal inequívoco”, propondo planos políticos concretos.

No seu relatório anual sobre a energia mundial, que este ano foi elaborado para servir de guia aos líderes mundiais que vão estar presentes na Cop26, a AIE previu que as emissões de carbono apenas vão reduzir 40 por cento até 2050 se os países não melhorarem os seus planos.

Segundo a Agência Internacional de Energia, a diferença entre os atuais planos e a mudança necessária para atingir a neutralidade carbónica é “gritante”: cerca de quatro biliões de dólares de investimento só durante a próxima década.

Dada a emergência da situação, o diretor-executivo da AIE, Fatih Birol, apelou aos líderes mundiais que se unam, durante a Cop26, para “enviarem uma mensagem política ao mundo de que estamos determinados a ter um futuro de energia limpa”. A AIE estima que 70 por cento dos quatro biliões de dólares de investimento necessários para alcançar a neutralidade carbónica devem destinar-se a mercados e economias em fase de crescimento.

Em declarações ao Guardian, o responsável aconselhou os líderes a dizerem que, “se alguém investir nas velhas energias, energias poluentes, está a arriscar perder dinheiro”, enquanto, por outro lado, “se alguém investir em energias limpas estará a fazer um lucro simpático”.

O peso recai, sobretudo, sobre as economias mais desenvolvidas, por serem as que conseguem dedicar-se a compromissos mais exigentes no sentido de reduzir as emissões de carbono.

Para o diretor-executivo da Agência Internacional de Energia, os líderes mundiais mais poderosos deveriam definir como “tarefa obrigatória” de organizações como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional a de dar prioridade às energias limpas nesses países.Um estudo da AIE sugere que as emissões de carbono atingiram o seu pico nos países mais ricos, incluindo EUA e nações europeias, locais onde, a partir de agora, vão começar a cair. No entanto, ao longo da próxima década, essas emissões deverão aumentar nos países menos desenvolvidos.

Ainda segundo a AIE, o investimento necessário para atingir o objetivo da neutralidade carbónica consegue ser feito de forma relativamente simples: mais de 40 por cento das reduções de emissões de carbono podem resultar de medidas que “se pagam a elas mesmas”, afiança a agência, dando como exemplos a melhoria da eficiência ou a instalação de painéis solares em locais baratos.

Além disso, o relatório da AIE refere que o compromisso atual dos líderes mundiais pode criar mais 13 milhões de empregos, mas que uma melhoria desse compromisso pode duplicar esse número para 26 milhões de novos postos de trabalho.

A Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas deste ano, conhecida por Cop26, vai realizar-se entre 31 outubro e 12 novembro em Glasgow, na Escócia. Mais de 120 líderes mundiais vão participar nos primeiros dias do evento. Nos restantes dias, serão representantes de cada nação – normalmente ministros do Ambiente ou semelhantes – a comandar as negociações mais complexas.
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