O mundo em casa

por Filipe Vasconcelos Romão - comentador de Política Internacional da RTP
Os governos alemão, holandês, austríaco e finlandês bloquearam a possibilidade de emissão imediata de títulos da dívida europeus DR

Depois dos discursos solidários e floreados, as divisões vieram ao de cima no Conselho Europeu que se celebrou ontem à noite.

Europa
Os governos alemão, holandês, austríaco e finlandês bloquearam a possibilidade de emissão imediata de títulos da dívida europeus. Este não é um debate novo, mas os países do Sul (incluindo França) têm vindo a exigir a sua aprovação no actual contexto de colapso económico iminente.

Vários economistas têm dito que estamos perante um cenário pior do que o de 2008. A crise desse ano abalou o projecto europeu pelas consequências que gerou nos orçamentos dos Estados e na sua capacidade de financiamento. No entanto, a União Europeia é hoje mais débil, fragilizada pela saída do Reino Unido e pelas feridas abertas entre 2010 e 2015.

No centro da actual crise também não estão pequenos países, mas Itália (membro fundador) e Espanha, o que poderá acentuar ainda mais as clivagens regionais.
Estados Unidos
O Senado norte-americano deu luz verde a um plano de reconstrução da economia nacional de dois biliões de dólares, só faltando a sua aprovação pela Câmara dos Representantes. A implementação deste programa dá uma oportunidade a Donald Trump para liderar a resposta à crise económica e para ofuscar as acusações de incompetência na resposta à pandemia.

Tendo em conta a sua flexibilidade ideológica, tudo leva a crer que a conversão do Presidente dos Estados Unidos ao keynesianismo esteja para breve, o que poderá transformar ainda mais a incerta campanha eleitoral já em curso.
América Latina
A integração regional sempre foi uma miragem na América Latina. As afinidades linguística, histórica e cultural não foram estímulos suficientes para aprofundar a cooperação política e económica entre os Estados da região.

A actual crise pôs novamente em evidência a perenidade do unilateralismo, com os diferentes governos a fechar fronteiras e a declarar medidas de contenção sem qualquer diálogo com os vizinhos.

Com serviços públicos de saúde frágeis e assistencialistas, os governos latino-americanos depositam esperanças em que as medidas de contenção tenham sido tomadas mais atempadamente do que nos países europeus.

No Brasil, Jair Bolsonaro voltou à carga com um discurso patético que nega os riscos da Covid-19 e ficou ainda mais isolado, com o vice-presidente Hamilton Mourão e alguns militares a distanciar-se do Presidente.

Os governos estaduais e as prefeituras começaram a desenvolver planos de resposta à crise que são respeitados e bem avaliados pelos cidadãos, pondo em evidência uma perigosa desarticulação entre instituições.

López Obrador, Presidente do México, depois de semanas de letargia e perante a expansão acelerada da epidemia nos Estados Unidos, começou ontem a tomar medidas mais restritivas. O Governo mexicano foi alvo de duras críticas por parte da Human Rights Watch pela forma como desvalorizou a ameaça à saúde pública.
China
Aparentemente, a China dá sinais de alguma recuperação económica e de estar a retomar a actividade industrial. Os números apresentados pelas autoridades locais, a ser verdadeiros, demonstram que a epidemia estará por agora controlada no país que foi o seu primeiro epicentro.

A conjugação deste momento com a crise global e com a procura mundial crescente de apoio e de material hospitalar está a criar as condições perfeitas para a expansão do softpower chinês.

Com Donald Trump exclusivamente dedicado à política doméstica, Pequim, depois da maior crise no país desde Tiananmen, poderá ver reforçado o seu papel internacional.
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