Tensão na Ucrânia. Moscovo avisa Kiev contra ataques a separatistas pró-russos

por Graça Andrade Ramos - RTP
Separatista pró-russo ucraniano na linha da frente face a tropas ucranianas no leste do país Reuters

O Kremlin e o chefe do Estado Maior do exército da Rússia, Valery Gerasimov, apontaram esta quinta-feira o dedo a Kiev e à NATO no escalar das tensões no leste da Ucrânia, com o comandante do exército russo a deixar uma ameaça clara.

Quaisquer provocações por parte das autoridades ucranianas para tentar resolver pela força o problema de Donbass serão suprimidas”, avisou o general durante um encontro em Moscovo com adidos militares estrangeiros e lançando as bases para justificar uma eventual intervenção militar contra o país vizinho. A porta-voz da diplomacia do Kremlin responsabilizou Kiev pelo “beco sem saída” em que estarão as negociações de uma solução pacífica para a crise separatista, preferindo o conflito.

“Com o apoio dos países NATO a encher o país de armas, Kiev está a concentrar o seu contingente na linha da frente de Donbass” acusou Maria Zakharova, citada na conta oficial do Twitter do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros.

“Entregas de helicópteros, de veículos aéreos autónomos e de aviões à Ucrânia estão a empurrar as autoridades ucranianas” para um caminho “perigoso”, alertou por seu lado Gerasimov, citado por várias agências russas de notícias.

O Ocidente tem acusado Moscovo desde abril de 2021 de estar a concentrar tropas junto à fronteira com a Ucrânia com intuito de intervenção armada no território, tendo já realizado vários avisos, com o Kremlin a reconhecer somente “manobras” militares sem outra estratégia.

Os relatórios recentes sobre o reforço com 100 mil reservistas junto à Ucrânia são "mentiras" garantiu Gerasimov esta quinta-feira.

A tensão agravou-se na última semana, após os serviços de informação dos Estados Unidos terem notificado as suas chefias quanto a manobras de artilharia, de equipamento e de pessoal em quatro frentes na área, envolvendo “até 175 mil tropas russas”, o “dobro dos contingentes envolvidos nos exercícios da passada primavera”, em preparação para uma ofensiva em “frentes múltiplas” no “início de 2022”. O relatório foi publicado pelo Washington Post a 3 de dezembro.
Braço de ferro
As tensões na Ucrânia têm como pano de fundo o esboroar do diálogo no âmbito do Conselho NATO-Rússia, NRC, ao longo dos últimos oito anos. Após mais de uma década de contactos, a NATO suspendeu em abril de 2014 toda a cooperação civil e militar com a Rússia, depois de Moscovo ter anexado a região ucraniana da Crimeia.

Em outubro passado, com base em informações secretas, a Aliança retirou as credenciais a oito membros da missão da Rússia junto da NATO, acusando-os de pertencerem aos serviços russos de informação. Diminuiu ainda o número de diplomatas creditados.

Em retaliação, o Kremlin suspendeu logo depois as suas ligações com a Organização do Tratado do Atlântico Norte e expulsou de Moscovo a missão da NATO.

Terça-feira dia 7 de dezembro, depois da publicação do Washington Post e de um périplo europeu do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, o Presidente norte-americano, Joe Biden, liderou um esforço diplomático concertado com os principais aliados europeus e ameaçou numa videoconferência o seu homólogo russo Vladimir Putin com “sanções” sem precedentes em caso de ataque à Ucrânia.

Putin retorquiu com velhas exigências, como garantias de que o país vizinho não será incluído na NATO e de que a Aliança irá refrear as suas ações no território ucraniano e na sua vizinhança. Para já as consequências de que se fala são económicas e financeiras, com uma intervenção militar declarada a ser posta de parte.

O braço de ferro ainda não abrandou.

O ministro da defesa do Reino Unido, Ben Wallace, afirmou esta quinta-feira que “qualquer ação da Rússia em ameaça à soberania da Ucrânia teria não apenas consequências graves”, como estas seriam “prolongadas”.

Em Paris, ao lado do seu homólogo francês, Jean-Yves Le Drian, a nova ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, recém-empossada, avisou igualmente Moscovo de que poderá vir a pagar “um elevado preço económico e político” em caso de quaisquer manobras militares contra a Ucrânia.
Nova estratégia para a UE
Baerbock e Le Drian voltaram a propor o diálogo a quatro, com a Rússia e a Ucrânia, para diminuir as tensões, apesar de Moscovo ter rejeitado em novembro tal proposta de mediação.

Nesta que foi a sua primeira visita ao estrangeiro, Annalena Baerbock sublinhou a necessidade da Europa coordenar uma posição comum face a vizinhos hostis como a Rússia.

Uma mensagem ecoada pelo Presidente francês Emmanuel Macron ao delinear em conferência de imprensa as prioridades para presidência da União Europeia, que a França irá assumir a 1 de janeiro de 2022.

O bloco europeu necessita definir uma nova estratégia de defesa que garanta a sua autodefesa, explicou o Presidente, que já defendeu a mesma ideia noutras ocasiões, apesar de sublinhar que a Aliança militar transatlântica se mantém útil e eficaz. “Temos ameaças e objetivos comuns”, afirmou Macron, revelando que na próxima semana se irá reunir com o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, tendo igualmente prevista uma videoconferência com Vladimir Putin.

O eixo franco-alemão concorda na estratégia. Horas depois de deixar Paris, após uma reunião com o secretário-geral da Organização, Jens Stoltenberg, Baerbock garantia que “a NATO se mantém um pilar indispensável da segurança na Europa”, e que o seu país continua comprometido com estratégia da Aliança face à Rússia.

A preocupação da NATO com a Rússia extravasa em muito a tensão na Ucrânia. Os aliados têm expressado o apoio à integridade territorial da Geórgia e da República da Moldávia dentro das fronteiras reconhecidas internacionalmente, tendo apelado repetidamente à Rússia para retirar as forças que estacionou nos três países à revelia das autoridades nacionais.

Moscovo tem estado a aumentar a sua atividade militar, particularmente ao longo da fronteira com países NATO, desestabilizando a segurança na área leste da Europa, sobretudo pelo hábito de convocar exercícios surpresa em larga escala e através da violação do espaço aéreo aliado.
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