Theresa May deixa Bruxelas sem garantias legais sobre fronteira na Irlanda do Norte

por Raquel Ramalho Lopes - RTP
As intenções da Theresa May esbarraram na vontade da Irlanda em não alterar nada ao Acordo de Saída Yves Herman - Reuters

A primeira-ministra britânica não conseguiu as garantias legais que procurava obter junto dos líderes europeus, reunidos em Bruxelas. O Conselho Europeu diz-se comprometido em iniciar as negociações para um tratado comercial o mais rapidamente possível após a assinatura do Acordo de Saída, mas não aceitou colocar um prazo limite para por termo ao mecanismo de salvaguarda. No Reino Unido, a oposição sublinha o falhanço de Theresa May.

A primeira-ministra britânica foi pedir aos homólogos ajuda para estabelecer um limite de 12 meses ao mecanismo de salvaguarda, previsto para evitar uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.

De acordo com o jornal The Guardian, Theresa May queria um "instrumento interpretativo conjunto", que iria facilitar a aprovação do Acordo do Brexit no parlamento.

A ideia recolheu o apoio de Angela Merkel e de Sebastian Kurz, mas foi foi contestada pela Irlanda, França, Suécia, Espanha e Bélgica.

O presidente da Comissão Europeia admitiu que dificilmente imagina um consenso em Westminster em relação ao acordo e considera que não era possível satisfazer as exigências dos deputados.

Alegando que o debate foi “nebuloso” e “vago”, o presidente da Comissão Europeia pede ao Reino Unido uma nova estratégia negocial e que explique claramente o que precisa.


Jean-Claude Juncker referiu ainda que a Comissão Europeia vai publicar na próxima quarta-feira informações sobre os preparativos para o cenário de uma saída do Reino Unido sem um acordo em vigor.
União Europeia acelera preparação para saída do Reino Unido sem acordo
Os líderes europeus decidiram não se comprometer com Theresa May para “avaliar se poderiam ser fornecidas quaisquer outras garantias”, incluindo as garantias legais tão desejadas pela primeira-ministra britânica.

A intenção estava prevista no rascunho de uma declaração do Conselho Europeu sobre o Brexit a que a imprensa internacional teve acesso esta quinta-feira.

Contudo, a declaração final apenas garante a Theresa May que, no caso de o mecanismo de salvaguarda de uma fronteira física na ilha da Irlanda ter de ser acionado, a União vai “envidar todos os esforços para negociar e concluir prontamente um acordo subsequente que substituiria o backstop, e esperaria o mesmo do Reino Unido, de modo que o mecanismo só seria aplicado pelo tempo estritamente necessário”.

Esta é a enunciação mais concreta que Theresa May conseguiu arrancar dos líderes europeus e não altera em nada a posição dos 27 sobre o acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, além de reiterar a indisponibilidade para renegociar.

Os líderes dos 27 Estados-membros referem que o mecanismo de salvaguarda, também designado como backstop, é considerado como “uma apólice de seguro” e prometem “a firme determinação da União em trabalhar rapidamente num acordo subsequente que estabeleça até 31 de dezembro de 2020 acordos alternativos, para que o mecanismo não precise ser acionado”.

Ainda segundo as conclusões, a União Europeia está disposta a iniciar negociações para uma parceria “o mais próxima possível” com o Reino Unido logo após a assinatura do documento.

Em Bruxelas, os chefes de Estado e de Governo também decidiram acelerar a preparação para todos os tipos de cenário, incluindo uma saída do Reino Unido sem acordo.
“Confiem em mim”
A primeira-ministra do Reino Unido pediu ajuda aos outros 27 líderes para superar as resistências causadas pela imposição do mecanismo de segurança.

“Este acordo pode ser aprovado” com as “garantias legais” adequadas para mudar a convicção de que o Reino Unido pode ficar preso indeterminadamente numa união aduaneira através da solução criada para evitar o restabelecimento das fronteiras entre a região da Irlanda do Norte e a República da Irlanda, país que continua membro da União Europeia.

“Temos de mudar a percepção de que o mecanismo de salvaguarda pode ser uma armadilha da qual o Reino Unido não pode escapar. Até que façamos isso, o acordo – o nosso acordo – está em risco”, terá afirmado Theresa May aos homólogos de acordo com Downing Street.

"Ao longo dos últimos dois anos espero ter mostrado que podem confiar em mim para fazer o que é certo, nem sempre o que é fácil, por mais difícil que isso possa ser para mim ao nível político”, terá acrescentado Theresa May.

"Não é do nosso interesse correr o risco de uma saída sem acordo com todas as perturbações que isso implicaria, ou permitir que isso se prolongue ainda mais", declarou, antes de se retirar para os restantes líderes debateram a resposta durante o jantar, que se prolongou por três horas.

A resposta dos líderes europeus demonstra lealdade para com um Estado-membro que continuará a pertencer à União Europeia. O primeiro-ministro da República da Irlanda, Leo Varadkar, disse estar “muito satisfeito com as conclusões”.

Partido Trabalhista aponta falhanço
O porta-voz do Partido Trabalhista considera que a primeira-ministra falhou a missão junto dos homólogos europeus.
O Acordo de Saída vai ser votado no Parlamento britânico o mais cedo possível durante o mês de janeiro e seguramente antes do dia 21, disse a porta-voz da primeira-ministra. “Posso confirmar que a votação não vai decorrer antes do Natal mas será o mais cedo possível quando o Parlamento voltar (das férias de Natal, dia 7 de janeiro), obviamente antes de 21 de janeiro”, disse.
“Parece que a primeira-ministra falhou na sua tentativa de conseguir mudanças significativas em seu acordo Brexit (…) Não podemos continuar assim. O primeiro-ministro deve restabelecer a votação do acordo para a semana que vem e permitir que o parlamento tome o controlo", comentou Keir Starmer.

“Penso que viram ontem à noite o total fracasso da posição britânica nas negociações”, acrescentou o antigo líder do Partido para a Independência do Reino Unido Nigel Farage.

Já os conservadores fazem uma leitura mitigada das conclusões da cimeira. "O que tivemos ontem à noite foi um primeiro passo bem-vindo, que foi a remoção da incerteza sobre as intenções da União Europeia", disse o ministro David Lidington à BBC.

"Muito do debate no parlamento esteve centrado em saber se poderíamos realmente confiar na União Europeia, se eles estavam seriamente comprometidos num acordo comercial e, na verdade, o que vem nas conclusões dos 27 é um compromisso muito, muito claro para negociar um acordo comercial com a Reino Unido rapidamente”, acrescentou
Tony Blair aponta para cenário de adiamento e novo referendo
O Reino Unido vai precisar de adiar o 'Brexit' marcado para 29 de março de 2019 e continuar as negociações para a saída da União Europeia ou para realizar um novo referendo, defende o antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair.

"A Europa deve preparar-se para a possibilidade em vias de se transformar na probabilidade de o Reino Unido precisar de uma extensão de tempo para o processo do Artigo 50.º, seja para continuar a negociar ou, o mais provável, conduzir um novo referendo", afirma o ex-primeiro-ministro num discurso de que foram divulgados excertos.

Os excertos do discurso de Tony Blair foram divulgados por antecipação e está associado à campanha "People's Vote", que reivindica um novo referendo ao 'Brexit' por considerar que os eleitores que votaram pela saída em 2016 não tinham noção das consequências.

C/ agências
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