Trump exige responsabilização da China e Pequim acusa-o de "propagar um vírus"

por Graça Andrade Ramos - RTP
A transmissão da mensagem gravada de Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos da América, perante uma sala da Assembleia Geral da ONU praticamente vazia devido à pandemia de Covid-19, dia 22 de setembro de 2020 Reuters

As Nações Unidas celebraram esta terça-feira os 75 anos de vida num clima de tensão sino-americana que ameaça dividir o mundo. E o contraste entre os discursos dos Presidentes das duas maiores potências do planeta, não podia ter sido maior.

Onde, pelos Estados Unidos, líderes tradicionais do mundo livre, Donald Trump foi desafiante e isolacionista, Xi Jinping, pela China, maior potência comunista à face da Terra, foi conciliador e abrangente.Para a história ficam dois discursos e duas narrativas, duas formas de pensar e de querer construir o mundo, mesmo que promessas e consequências nem sempre venham a coincidir.

O Presidente Donald Trump voltou a denunciar a China e exigiu que esta seja responsabilizada pela pandemia de Covid-19.

Logo a seguir, o Presidente Xi Jinping, em tom moderado, apelou à cooperação mundial no combate à doença.

Pequim só saiu do roteiro da simpatia quando o embaixador da China acusou Trump de "propagar um vírus político".

Ambos os discursos foram gravados de antemão devido à pandemia. Ao longo da semana serão publicadas todas as gravações dos 193 líderes e chefes de Estado da Organização.

A salva de abertura nas hostilidades coube a Trump, depois do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. O norte-americano não perdeu a oportunidade de voltar a atacar a China por ter "lançado esta praga em todo o mundo".
Responsabilizar a China
As Nações Unidas, sustentou o Presidente norte-americano, "devem responsabilizar a China" pelas suas ações relativamente ao surto do que veio a ser identificado como SARS-CoV-2, um novo coronavírus, causador de uma nova doença, a Covid-19.

Pequim, afirmou Trump, deixou pessoas infetadas saírem da China, ao mesmo tempo que impedia voos domésticos. "O Governo chinês e a Organização Mundial de Saúde - que é virtualmente controlada pela China - declararam falsamente que não existiam provas de transmissão entre humanos", acusou Trump.

"Depois, disseram falsamente que pessoas sem sintomas não iriam propagar a doença... As Nações Unidas têm de responsabilizar a China pelas suas ações", acrescentou. Os Estados Unidos ultrapassaram segunda-feira a barreira dos 200 mil casos confirmados, o número mais elevado do mundo por países.

Em ano de possível reeleição, o Presidente dos Estados Unidos da América, o país com maior número de mortos e de infetados na pandemia, prometeu distribuir uma vacina.

Garantiu também, no final de um discurso muito  virado para o seus apoiantes internos, que "iremos vencer o vírus e acabaremos com a epidemia".

Donald Trump aproveitou para falar das suas maiores conquistas no plano internacional,  a assinatura dos Acordos de Paz entre Israel e dois Estados árabes, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, os primeiros em 30 anos. E "haverá mais", prometeu.
O "vírus" de Trump
Numa espécie de censura, apesar do discurso igualmente gravado com antecedência, Xi Jinping, que falou depois de Trump e do Presidente da Turquia, adotou um tom conciliatório. O Presidente chinês apelou a uma cooperação mundial mais estreita no combate à pandemia.

"Ao enfrentar o vírus, deveríamos reforçar a solidariedade e atravessar isto unidos", afirmou. "Deveríamos seguir a orientação da ciência, soltar as rédeas ao papel de liderança da OMS e lançar uma resposta internacional conjunta para vencer esta pandemia", propôs o líder comunista chinês.

"Qualquer tentativa de politizar a questão, ou de estigmatização, deve ser rejeitada", aconselhou Xi Jinping.

Xi sublinhou também que o seu país não tem qualquer intenção de lutar "seja numa Guerra Fria ou numa quente", deixando para outra ocasião o debate sobre as recentes manobras militares no estreito de Taiwan, que descreveu como "ensaio" para recuperar o controlo da ilha, que considera chinesa.

Ao introduzir o discurso de Xi, o embaixador chinês na ONU, Zhang Jun, disse que Pequim "rejeita resolutamente as acusações infundadas contra a China".
"O mundo está numa encruzilhada. Neste momento, o mundo precisa de mais solidariedade e cooperação, mas não de confrontação", afirmou o embaixador.
Frente a alguns jornalistas, Zhang acusou Donald Trump de "propagar um vírus político", com as suas "acusações infundadas".

"No momento em que a comunidade internacional se bate duramente contra o Covd-19, os Estados Unidos propagam um vírus político aqui, na Assembleia Geral", referiu o diplomata chinês.

"O barulho de fundo norte-americano é incompatível com a atmosfera da Assembleia Geral", acrescentou, apontando o dedo ao Presidente norte-americano por "abusar da plataforma das Nações Unidas para provocar o confronto" e dessa forma "enfraquecer" a organização.
Clima quente
O contraste entre discursos dos dois líderes foi igualmente marcante quanto à questão climática, na qual Donald Trump se assume líder mundial dos céticos.

O norte-americano voltou a defender a decisão de retirar o seu país "dos unilaterais Acordos de Paris" e aproveitou para atacar a China pela sua "poluição desenfreada".

Donald Trump considera a questão das alterações climáticas uma "fraude" e em 2017, de acordo com as suas convicções, retirou os Estados Unidos dos Acordos de Paris que estabeleceram um plano internacional para enfrentar o aquecimento global.

Depois de ter reduzido ou retirado centenas de leis de regulação e proteção ambiental, Trump afirmou esta terça-feira que o seu país superou na redução das emissões de CO2 qualquer outro país signatário dos Acordos.

"Aqueles que atacam o registo ambiental excecional da América ao mesmo tempo que ignoram a poluição desenfreada na China, não estão interessados no ambiente. Querem apenas castigar a América. E eu não vou admiti-lo", prometeu Trump.

Imagem da transmissão do discurso do Presidente da China, Xi Jinping, à Assembleia Geral da ONU, vazia devido à pandemia de Covid-19, a 22 de setembro de 2020 Foto: Reuters
Promessa inédita da China
A China é o maior poluidor da atmosfera do planeta, devido às suas centrais de carvão. A União Europeia tem tentado levar Pequim a antecipar a data para alcança a sua meta de redução de emissões, de 2030 para 2025.

Xi Jinping anunciou esta terça-feira nas Nações Unidas que irá tentar fazê-lo, assim como alcançar a neutralidade nas emissões de carbono antes de 2060. Foi a primeira vez que o Governo chinês se comprometeu a por fim à sua poluição causadora de alterações climáticas.

"A China irá incrementar as Contribuições Nacionais que determinou", quanto aos Acordos de Paris, "através da adoção de políticas e medidas mais vigorosas", prometeu Xi Jinping, apelando todos os países a procurarem concretizar uma "recuperação verde da economia mundial na era pós-Covid".

Li Shuo, um diplomata veterano do clima, especialista ligado à Greenpeace, aplaudiu a promessa ambiental de Xi, feita minutos após o discurso de Trump. Foi "um passo ousado e bem calculado", afirmou.

"Demonstrou o interesse constante de Xi em usar a agenda climática por motivos geopolíticos", acrescentou.
Apelo de Guterres
A tensão evidente entre as duas maiores potências mundiais levou o secretário-geral da ONU, António Guterres, a apelar à Assembleia que procure um caminho menos divisivo, "custe o que custar".

"Devemos fazer tudo para evitar uma nova Guerra Fria", disse Guterres à Assembleia Geral. "O nosso mundo não pode correr o risco de um futuro no qual as duas maiores economias dividam o globo numa Grande Fratura - cada uma com as suas regras comerciais e financeiras e capacidades de internet e de inteligência artificial", avisou. Um fosso tecnológico e económico arrisca inevitavelmente uma clivagem geo-estratégica e militar. Temos de evitar isto, custe o que custar", apelou António Guterres.

Esta segunda-feira, os líderes mundiais adotaram uma Declaração em prol de um mundo mais seguro e mais resiliente para as futuras gerações.

Reunidos em formato virtual, os líderes mundiais aplaudiram desta forma a estrutura multilateral implementada pelos fundadores das Nações Unidas em 1945 e prometeram levar a bom porto a promessa de salvar da praga da guerra as próximas gerações.
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