Volodymyr Zelensky e Keith Kellogg sem declarações à imprensa após reunião em Kiev

A reunião entre Keith Kellogg, enviado do presidente dos EUA, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, terminou esta quinta-feira sem qualquer conferência de imprensa, ao contrário do que é habitual.

Graça Andrade Ramos - RTP /
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o enviado especial dos EUA, Keith Kellogg, antes do início da sua reunião em Kiev, a 20 de fevereiro de 2025 Thomas Peter - Reuters

Os dois estiveram reunidos na capital da Ucrânia mas, informou o porta-voz do presidente ucraniano, Serhii Nikiforov, a delegação dos EUA solicitou que não se realizassem as habituais declarações posteriores aos jornalistas.

Não foram dadas razões para o pedido, que sublinha a elevada tensão que se vive entre Washington e Kiev e que pode significar uma rotura entre os aliados.

Apenas Zelensky reagiu após a reunião, sem se alargar em detalhes sobre o que foi debatido.

"Devemos e podemos garantir que a paz é firme e duradoura - para que a Rússia nunca possa regressar com guerra", escreveu Zelensky na rede X, após a reunião com Kellogg. "As relações fortes entre a Ucrânia e os Estados Unidos beneficiam o mundo inteiro", argumentou ainda Zelensky, referindo que teve "uma reunião produtiva com o Sr. Kellogg, uma boa discussão".

O presidente ucraniano explicou que tinha discutido com Kellogg "a situação no campo de batalha, como repatriar os nossos prisioneiros de guerra e garantias de segurança eficazes".

"A Ucrânia está pronta para um acordo efetivo de investimento e segurança com o presidente dos Estados Unidos", garantiu ainda. "Temos proposto o mais rápido e mais construtivo roteiro para conseguir resultados. A nossa equipa está pronta a trabalhar 24 sobre 24 horas", acrescentou.

A reunião entre Zelensky e Kellogg, um general na reserva, seguiu-se a 24h00 de comentários inflamados entre os presidentes da Ucrânia e dos Estados Unidos, com este a chamar a Zelensky "ditador" e a criticar a sua liderança e aquele a dizer que Donald Trump está "numa bolha" de desinformação.

A controvérsia causou ondas de choque na Ucrânia, que viu consolidado em menos de 10 dias o receio de perda do apoio dos Estados Unidos, um dos seus mais firmes aliados e maior fornecedor de armamento na guerra contra a Rússia.
Kremlin "completamente de acordo" com Trump
A retórica de Donald Trump tem ecoado a versão russa das razões da guerra e Moscovo parece ter convencido a Administração Trump quanto à razoabilidade das suas exigências para a paz.

Depois de ter chamado "ditador" a Zelensky e de ter afirmado que a Ucrânia poderia ter evitado a guerra há três anos, o presidente dos EUA afirmou quarta-feira à noite que, neste conflito, os russos "conquistaram muitos territórios" tendo por isso "as cartas na mão". O Kremlin, sem esconder a sua satisfação com o volte-face norte-americano, anunciou já esta quinta-feira, ter decidido com Washington um regresso ao diálogo "sobre todos os parâmetros", assumindo estar "completamente de acordo" com a nova posição de Washington sobre a questão ucraniana.

Zelensky já condenou as recentes reuniões ao mais alto nível entre Washington e Moscovo, que marcaram uma aproximação entre os governos americano e russo, sublinhando que nenhum acordo sobre o seu território será alcançado sem Kiev.

O presidente ucraniano recusa conceder que a Rússia assuma como seus territórios ucranianos que tenta há mais de uma década anexar, como a Crimeia e as províncias do leste do país.

Neste contexto hostil, o conselheiro para a Segurança Nacional dos Estados Unidos, Mike Waltz, aconselhou à Ucrânia que "baixasse o tom" das suas críticas a Donald Trump.
Fracasso
Procurando conter o desaire diplomático, Volodymyr Zelensky afirmou, antes da reunião com Kellogg, esperar um esforço "construtivo". "O nosso futuro não é com Putin mas com a paz. E é uma escolha para o mundo inteiro - e para os poderosos - estar com Putin ou estar com a paz", sublinhou.

A falta de comunicação à imprensa após a reunião indica que Zelensky não terá conseguido persuadir a nova Administração norte-americana, apesar de Kellogg ter dito, na sua chegada a Kiev, compreender a necessidade de "garantias de segurança" da Ucrânia face à vizinha russa.

As críticas de Trump a Zelensky causaram um cerrar de fileiras dos ucranianos em torno do seu presidente, apesar do receio do que poderá significar o fim do apoio dos Estados Unidos ao esforço de guerra.

A União Europeia saiu em defesa do aliado ucraniano, com o porta-voz da Comissão Europeia, Stefan De Keersmaecker, a lembrar liminarmente que "a Ucrânia é uma democracia, a Rússia de Putin, não". E o presidente do Conselho Europeu, António Costa, já anunciou uma deslocação a Kiev, segunda-feira, em prova de solidariedade com o presidente "democraticamente eleito".

A poucos dias do terceiro aniversário do início da invasão russa, a 24 de fevereiro de 2022, Zelensky lembrou que a Ucrânia quer o fim do conflito "desde os primeiros segundos", ao passo que Trump o acusou de ter iniciado o conflito.

Moscovo recusa conceder a Kiev o direito de aderir à NATO, por considerar uma ameaça o alastrar da aliança de defesa atlântica até às suas fronteiras. O Kremlin afirmou esta semana que a adesão de Kiev à União Europeia, outro dos objetivos de aproximação ao Ocidente por parte da Ucrânia, seria aceitável para a Rússia.
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