A hora do comandante

A Selecção Nacional e o país vivem numa contradição insanável. A equipa portuguesa é muito dependente de um dos melhores jogadores do mundo - não vou dizer o melhor para não entrar nas polémicas habituais com os que preferem Lionel Messi e que estão no seu direito - mas não quer ser tão condicionada por um único elemento. O problema é que é, e não há volta a dar quando falamos de um jogador com as características de Ronaldo.

A equipa e os portugueses sabem que é injusto colocar esse peso sobre um único jogador e é também injusto para todos os outros sendo o futebol um desporto colectivo onde a equipa é essencial. 


Primeira pergunta óbvia: a equipa nacional não seria mais uma selecção - sem o selo de forte candidata a mais altos voos - se não estivesse garantida a presença de Cristiano Ronaldo nos seus melhores momentos? Lembram-se do jogo com a Suécia e de como nos apurámos para o Brasil? É esse o melhor Ronaldo.

Acontece que o Campeonato da Europa de Futebol e o Campeonato do Mundo chegam sempre no final de uma época. Circunstância desde logo altamente desfavorável para a maioria dos melhores jogadores, que acumulam minutos e jogos nas pernas, cansaço e muitas vezes lesões. Principalmente se esses jogadores até foram campeões europeus e ainda estavam a jogar quando todos os outros já estavam a descansar.

Ronaldo teve um grande desgaste porque joga sempre no limite e não é dado a poupanças, porque tem sede de vitórias e de recordes e porque para ele qualquer jogo tem um objectivo concreto e específico, nem que seja o de acumular mais um golo. 

Também não é jogador de se furtar ao choque, disputa as jogadas às vezes de forma pouco inteligente para quem tem umas pernas milionárias, mas jogadores como ele, que fazem do porte atlético aliado ao talento inato um factor diferenciador em relação a todos os outros, não há jogadas que não mereçam a sua presença. E às vezes dá no que dá. 

Ronaldo lesionou-se na parte final da época, chegou a temer-se o pior, e Fernando Santos garantiu que podíamos esperar o melhor. Bluff ou não, as lesões são o que são e a evolução depende de questões que ultrapassam os desejos de jogadores e treinadores e muitas vezes ultrapassam mesmo as capacidades médicas para lhes fazer frente.  E se a Selecção Nacional tem um sector de qualidade é precisamente na área clínica. Esperemos que a lesão não seja mesmo impeditiva de um rendimento ao melhor nível daqui para a frente.

Ronaldo não estará no seu melhor e também, dizem, não quererá assumir em pleno o lugar onde pode render mais nesta equipa, ponta de lança. Porque tem características para isso, porque está numa idade em que as forças e a capacidade de criar espaços começam a perder vigor e porque na verdade estamos muito bem servidos nas alas. 

Na área não estamos. Éder ainda não mostrou créditos suficientes para ser titular e aposta permanente e de risco do seleccionador. E as outras opções ainda não são consistentes. Talvez André Silva, o extremo do Futebol Clube do Porto que tem sido trabalhado para funções na área, venha a ser o ponta de lança firme e óbvio que a Selecção tenta encontrar.

Em defesa de Ronaldo acrescem outros dois factores. Por muitos talentos que a Selecção Nacional tenha, que tem, a equipa portuguesa não tem nem de perto nem de longe as opções que existem no Real Madrid. E também não existem, por razões óbvias, os mecanismos oleados e as rotinas já instaladas na equipa merengue que permitem ao capitão da Selecção Nacional jogar praticamente de olhos fechados porque adivinha onde vai estar a bola no momento seguinte.

Faço questão de escrever esta crónica ainda antes do jogo com a Hungria para dizer que sou dos que acredita que Ronaldo vai abrir a tampa do ketchup e fazer sair qualidade em catadupa neste jogo decisivo para Portugal, e ajudar a transformar a qualidade em golos. Conto obviamente com a azia acumulada de vários dias de uma campanha lamentável - a roçar o bullying - contra um dos melhores jogadores do mundo. E sabemos do que Ronaldo é capaz quando é picado.

Posto isto, Ronaldo é a maior estrela da Selecção Nacional, e para mim deste Europeu ainda que não tenha estado ao seu melhor nível nos dois jogos anteriores. Tem de ser mais humilde e mais sensato em algumas declarações, tem de se sacrificar em nome da equipa mesmo que numa posição onde se sente menos feliz. Mas jogadores como Ronaldo são talento à solta, génio acumulado e raça indomável, e não pode ser encerrados em espaços muito curtos onde se pode sujeitar ao jogo mais duro dos adversários. 

Há que encontrar a forma correcta de enquadrar tudo isto, coisa mais ao jeito dos mestres da táctica onde não me incluo. Que junte todos os predicados e se motive para arrastar consigo uma equipa que precisa mesmo de se soltar mais e concluir com mais eficácia as jogadas de perigo. E que não se preocupe, os que hoje o criticam e nele não acreditam - principalmente em Portugal - vão ser os primeiros a elevá-lo aos píncaros antes das sete da tarde desta quarta-feira em Portugal se as coisas correrem pelo melhor.

E além disso, pormenor importante, o Lourenço Esteves faz sete anos nesse dia, e não se desilude um fã que sonha um dia fazer jogadas iguais à do ídolo e que já chegou a dormir com o casaco que lhe comprámos com o mítico número 7. O Lourenço é um entre milhões de miúdos que estão sempre com o Comandante e que acreditam nele mesmo nos piores dias.

Estas coisas são de grande responsabilidade. Faz só o que sabes Ronaldo, é o que basta para sermos felizes. Nem que seja por mais uns dias.

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