Dramas urbanos

Há anos que um dos maiores problemas das grandes cidades é a falta de reabilitação urbana. Prédios degradados ou mesmo devolutos, que colocam em causa muitas vezes a integridade física e a segurança dos cidadãos e que servem de "ninho" a criminosos ou toxicodependentes.

Com o aumento cada vez maior de turistas em Portugal, muito por força dos efeitos nefastos do terrorismo em outras paragens que são atractivas para os visitantes, algumas na Europa, as cidades portuguesas, em especial Lisboa e Porto, tornaram-se locais de excelência para quem quer investir no imobiliário para o grande negócio do momento: o alojamento local. Ou seja, o aumento do número de camas para alojar turistas, principalmente nas zonas históricas e mais pitorescas.

Os dados mais recentes da ALEP (Associação de Alojamento Local em Portugal) desmentem que este seja um negócio dos chamados grandes investidores. Noventa por cento dos proprietários não ultrapassam a posse de três imóveis - é verdade que há quem tenha dezenas - e cerca de 70 por cento são os chamados pequenos investidores. Pessoas que já possuíam casas em Lisboa, algumas diminutas, outras que descobriram em bom tempo como adquirir imóveis a preços módicos, e que investiram alguns trocados, ou pediram pequenos empréstimos, para recuperarem esses imóveis e torná-los mais agradáveis e proporcionarem boas estadias a quem nos visita, provocando nessas pessoas a agradável sensação de que devem voltar ou recomendar o país aos amigos. Além da recuperação dos centros urbanos que ganham outra vida, estes alojamentos locais trazem pessoas aos comércios, criam emprego e receitas para a economia e são um complemento muito importante para os depauperados cofres de muitas famílias.

Ora, o que propôs o Bloco de Esquerda, com apoio do PS, ao grupo de trabalho das Políticas de Habitação, Crédito Imobiliário e Tributação do Património Imobiliário? Que quem tem vários imóveis para arrendar a turistas reserve uma parte para o chamado arrendamento de longa duração na mesma área urbana e em área a definir. Ou seja, que uma percentagem destas casas seja reservada aos locais, às pessoas que são naturais das cidades, que ou não encontram casas, ou quando as encontram não podem pagar as rendas elevadas que são cobradas.

A bondade da medida não se questiona, mas a eficácia será zero. Primeiro porque mesmo que existam mais casas para arrendar as rendas não vão baixar e o mercado de arrendamento nas zonas mais apetecíveis das grandes cidades será para os mesmos de sempre. As pessoas que podem pagar porque têm rendimentos mais elevados. Que na maior parte dos casos vão arranjar um esquema para alugar a casa a turistas. A fiscalização existente não consegue evitar estas situações. Depois porque os grandes proprietários, que como vimos são 10% dos investidores, vão encontrar esquemas para distribuir a posse dos imóveis por vários familiares e amigos, e lá se vai a eficácia da bondosa medida. Mais uma vez, a fiscalização existente não é eficaz para evitar estes casos e os mecanismos legais são facilmente contornáveis. Na pior das hipóteses, confrontados com dificuldades, os grandes proprietários vão deixar de investir e essas casas podem voltar a ser espaços degradados que em nada ajudam a economia nacional e a vida difícil das cidades turísticas, prejudicando os pequenos proprietários.

Sim, a falta de um mercado de arrendamento em Portugal é um problema e é urgente encontrar soluções. O incentivo às famílias mais jovens para ocuparem os locais abandonados das cidades é uma das melhores. Limitar o crescimento de alojamentos locais não só não resolve problema nenhum como poder fazer regredir uma das grandes conquistas urbanas dos últimos anos, a reabilitação.

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