E quando as sirenes se calarem?

Um dia destes, quando a meteorologia nos refrescar e nos deixar repousar da praga dos incêndios, os bombeiros vão voltar para os quartéis. Deixam a aura de heróis que todos alimentamos por estes dias de inferno e voltam às vidas normais, muitas vezes difíceis, sem que sejam reconhecidos pelas suas capacidades profissionais. Vão até ser muitas vezes criticados porque demoraram na chegada sem que ninguém queira saber porque aconteceu.

As águas, o leite, as bolachas, as barras energéticas e outros alimentos não perecíveis que invadiram todos os quartéis de norte a sul do país vão esgotar-se, consumidos pela azáfama destas semanas de brasa que mais uma vez comeu boa parte do nosso pulmão verde. A onda de solidariedade como só os portugueses sabem criar e alimentar vai desaparecer com os primeiros dias mais frescos do outono e depois de recolherem aos quartéis os bombeiros vão sendo esquecidos e menos ovacionados pelo seu heroísmo e disponibilidade que na verdade praticam todos os dias.

Ainda bem que somos solidários e muitas vezes surpreendentes no nosso altruísmo e generosidade. Um bombeiro da corporação de Loures contou-me a história comovente de três jovens irmãos que partiram o mealheiro e foram comprar bens para oferecer aos homens que todos os dias combatem as chamas até ao limite da exaustão, muitas vezes mal alimentados ou só conseguindo comer qualquer coisa graças à generosidade das populações. Muitas delas responsáveis por toda esta tragédia estival, graças à incúria e irresponsabilidade, e muitas vezes falta de meios financeiros ou de força física, e que por isso deixam os terrenos mal cuidados e pouco limpos, combustível para qualquer foco de incêndio se espalhar de forma incontrolável.

Os bombeiros vão continuar a ser mal pagos e esquecidos em direitos que nem se deviam questionar.

Nós, os cidadãos que neste verão infernal e trágico lhes enchemos os quartéis de bebidas e alimentos, e bem, temos uma forma de ajudar as corporações nacionais de bombeiros. Sendo sócios, ou dentro das possibilidades de cada um atribuindo pequenos donativos ao longo ano. Há muitas outras formas de ajudar dependendo da criatividade, generosidade e possibilidade de cada um.

Mas há problemas mais graves a montante que também é urgente resolver. O primeiro é implementar de facto as medidas que já existem para protecção da floresta, fiscalizando e punindo quem não cumpre e criando as condições para que as pessoas de mais fracos rendimentos ou idades mais avançadas possam limpar os seus terrenos florestais, ou os terrenos que circundam as casas, sem custos muito onerosos para gente de fracos recursos. É urgente criar uma política de reordenamento florestal e voltar a criar as condições para que existem de facto todos os meios adequados às diferentes características de cada região. É preciso equipar de forma decente todas as corporações de bombeiros e criar uma remuneração justa que ajude a cativar cada vez mais elementos, que como vimos são escassos para situações de emergência.

Os bombeiros não são pessoas normais no bom sentido. Trabalham muito e descansam pouco e levam o limite das forças até à exaustão. Não se queixam nas redes sociais, nem em lado nenhum, e nunca recusam uma missão por mais perigosa que seja. É das profissões que regista uma taxa de mortalidade mais elevada entre os efectivos, muitos em idade muito precoce. Acumulam empregos para sobreviver e frequentam várias formações em várias áreas que não lhes aumentam a remuneração de forma directa. São pessoas excepcionais que merecem um estatuto de excepção. Não apenas quando nos vemos aflitos e precisamos que nos salvem as nossas vidas, os nossos bens, os nosso animais e as nossas florestas. Mas todos os dias. Os bombeiros precisam dos cidadãos, mas precisam do poder político e de decisões rápidas e urgentes.

Nota:

Ser ministro ou secretário de Estado não é obrigatório. Aceita quem quer e há deveres que vêm com o cargo.

Os ministros da Administração Interna não apagam fogos, é verdade, mas são a tutela das autoridades e por isso um ministro da AI não pode ir de férias na Fase Charlie dos incêndios. Ou então deixa um secretário de Estado em funções e aparece mal surja uma situação de emergência para assumr aquilo que se espera de um ministro dessa pasta: liderança, motivação das forças no terreno, a garantia de que o executivo está pronto a tomar decisões a qualquer momento. Não está na praia com o país a arder.

Felizmente que António Costa reagiu a tempo, obrigando a que fosse retomado o bom senso, o sentido de responsabilidade e o trabalho político para garantir medidas eficazes num futuro muito próximo.

Felizmente que o Presidente da República é uma pessoa com as características de Marcelo Rebelo de Sousa.

Os políticos não apagam fogos mas são as pessoas em quem votámos para liderar o país. Devem estar à altura das responsabilidade. Não aconteceu com todos neste verão infernal. E há muito que a pasta da Administração Interna parece estar destinada a pessoas com pouca habilidade para o cargo. É pena.

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