Sai uma euforia com gelo, por favor!

Analisar um jogo depois de ele acontecer é um exercício que pode ser feito com mais ou menos distanciamento e objectividade, com mais ou menos honestidade e com diferentes graus de conhecimentos técnicos. Ao contrário do "achismo" anterior aos jogos que entra mais nos domínios do desejo que dos conhecimentos. Às vezes, são as pessoas que menos conhecem as chamadas "artes do futebol" que nos alertam para aspectos que parecendo pouco óbvios podem ser decisivos.

Já quando nos tentamos convencer, e aos outros, de que tínhamos a equipa certa na cabeça antes do jogo, e que se ela tivesse jogado o resultado era diferente, isso é um profundo disparate. Porque todos os grandes craques que conhecemos já fizeram péssimos jogos e porque na verdade não sabemos o comportamento que teria qualquer dos jogadores que defendemos como solução mágica para um onze inicial eficaz e imbatível.

O risco faz parte do futebol, e cada treinador aposta na equipa que considera a mais apta e correcta para enfrentar cada adversário mesmo que tenha de correr alguns riscos em alguns casos, muitas vezes ditados por aspectos que desconhecemos ou não dominamos.

Ontem, bastava andar pelas redes sociais e pelas televisões antes do jogo para perceber que a equipa escolhida por Fernando Santos recolhia uma significativa e maioritária dose de apoio quer entre os apaixonados treinadores de bancada quer entre os principais e versados comentadores de futebol nacionais. Um outro sector, minoritário, defendia outras soluções mais ditadas pelos seus gostos clubísticos do que por questões pragmáticas e ligadas às necessidades perante uma equipa com as especificidades da Islândia.

Cédric, Renato Sanches e Adrien estão entre as principais preferências dos que não gostavam das opções iniciais para este encontro, mesmo assim a maior parte dos adeptos aceitava conceder o benefício da dúvida a uma equipa que tinha dado 7 à Estónia. Curiosamente foi dos jogadores mais consensuais que chegaram as maiores desilusões.

Há coisas que não dependem de um seleccionador e que ele não pode controlar. Pode reagir mais rápido a um golo de empate, e não deve demorar 20 minutos a alterar a equipa. Obviamente que pode, mas era interessante conhecer o que passou pela cabeça de Fernando Santos naqueles 20 minutos. As decisões precipitadas podem criar desequilíbrios comprometedores e em alta competição há que avaliar de forma sensata e adequada.

Certo é que tomou decisões que deram à equipa portuguesa nos últimos 15 minutos uma frente de ataque poderosa com 4 elementos: Éder, Nani, Quaresma e Ronaldo. Não resultou. Podia ter sido uma estratégia genial. Bastava que tivesse entrado uma das bolas na baliza. Estes são os principais atractivos do futebol, a imprevisibilidade, o tudo pode acontecer, o risco associado à sorte que pode chegar ou não.

Para jogar de início, Fernando Santos apostou numa equipa mais ou menos óbvia, mas não pode adivinhar que um jogador tão experiente e concentrado como Vieirinha vai ter um erro tão comprometedor numa fase decisiva do jogo, que Pepe vai falhar várias primeiras bolas e ressaltos embora sem nunca comprometer, que Danilo, habitualmente equilibrado e regular, entra mais desastrado do que é costume e sem fazer valer logo as suas principais qualidades na destruição do jogo adversário funcionando como escudo aos centrais, que Moutinho não vai conseguir fazer o que faz melhor, que é criar desequilíbrios e espaços no meio-campo, e que Ronaldo vai estar numa noite onde a inspiração não aparece e os jogos acumulados de uma época longa pesam uma tonelada em cada perna.

Até João Mário, que tanto prometia, pareceu acusar a pressão de estar pela primeira vez na fase final de um Campeonato Europeu de Futebol. Ou talvez tenha sido uma daquelas noites para esquecer que acontecem a todos os craques. Num jogo onde muito correu mal salvaram-se as boas exibições de Rui Patrício, Ricardo Carvalho, Raphael Guerreiro, André Gomes e Nani.

Nós, como bons portugueses, não desiludimos. Passámos rapidamente da mais alegre e contagiante euforia à mais profunda e negra depressão. Muitos já olham para os quartos de final e não encontram Portugal, mesmo sabendo que além dos dois primeiros de cada grupo ainda passam os melhores terceiros. Obviamente que não é bom ver uma selecção de que gostamos perder a oportunidade de ganhar o primeiro jogo perante um adversário teoricamente mais fraco, mas quando Ronaldo acusa os islandeses de pensarem pequeno, e de alimentarem uma forma de jogar que não os vai levar a nenhuma vitória importante, isso só prova que não leu a Arte de Guerra de Sun Tzu ou o Príncipe de Maquiavel.

É lá que aprendemos como se faz das fraquezas forças e como se ganha vantagem perante circunstâncias que nos mostram ínfimas possibilidades de vencermos ou de termos sucesso. Importa mais o resultado do que o meio. A Islândia fez o que tinha de fazer, e fez mais do que lhe era exigido. Portugal não.

Mas um pouco de gelo na euforia na fase inicial da prova não faz mal nenhum. Em 2004 perdemos na estreia contra Grécia, no Dragão, e Scolari mudou radicalmente a equipa para o segundo jogo. Corrigiu os erros que detectou. Chegámos à final graças a muitos factores cumulados, a sorte terá sido o mais decisivo, e perdemos na final por várias razões. A principal terá sido a pressão que sentimos por jogarmos em casa num estádio da Luz como poucas vezes a Selecção tinha visto.

As qualidades que a Selecção tinha antes deste jogo continuam intactas, os defeitos e debilidades também existem. Convém ouvir os que sabem mesmo destas coisas do futebol quando dizem que somos bons, mas não somos favoritos. Esperemos que a qualidade da equipa portuguesa e a magia do futebol que pode fazer milagres nos possa levar a Paris a 10 de Julho.

Vamos acreditar, sem euforia excessiva, que, como sabemos, é a mãe das maiores desilusões, mas também sem pessimismos infundados. Temos mais do que qualidade para passar a fase de grupos. Vamos a isto!

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