Uma ´Panteatice` nacional

Ponto prévio, pessoalmente entendo que os monumentos nacionais devem ser rentabilizados na sua utilização para que sejam menos onerosos para o Estado e para que garantam uma importante fatia para o seu financiamento, permitindo, por exemplo, na maior parte dos casos, verbas que ajudem à conservação e restauro. A lei que existe deve ser modificada de forma a que os Panteões, sim leu bem, "os" porque há vários com esse estatuto, ou pelo menos alguns sectores desses edifícios, sejam excluídos de qualquer tipo de celebração pública sem dignidade de Estado. Outra coisa diferente é entrarmos na histeria das redes sociais como se nunca se tivessem realizado eventos nestes edifícios e como se este caso fosse virgem. Não é. Nós é que andamos distraídos e somos um bocadinho ignorantes.

A maior parte das polémicas com origem nas redes sociais - com prevalência para o Twitter - são originadas pela ignorância, pelo desconhecimento ou por dados errados muitas vezes plantados propositadamente.

A histeria e a precipitação, própria também das redes sociais, acaba por fazer o resto, descontrolando as conversas e provocando verdadeiros episódios que na maior parte das vezes são caricatos. E ai de quem tenta recentrar a conversa ou apelar ao bom senso. É logo apelidado de fascista ou de extremista de esquerda - dependendo do sentido ideológico da conversa e dos contendores.

Mea culpa
, também gosto muito de entrar nas discussões "tuiteiras", mesmo nas mais parvas, para tentar expor, na minha perspectiva, as fragilidades de alguns argumentos. Como não tenho uma intenção declarada nem uma agenda já me chamaram de tudo, desde extremista de esquerda a fascista, já me atribuíram todas as cores clubísticas e epítetos, mas na verdade vivo bem com isso. É como ir ao ginásio e treinar de forma intensa durante uma hora, é exercício puro que só faz bem e nos mantém em forma, física e psicologicamente.

O que não se percebe é que nestas circunstâncias os políticos embarquem quase sempre na histeria colectiva com comentários e decisões precipitadas, reagindo a quente sem a preocupação de se inteirarem do que realmente se passa. É uma reacção também ela histérica de quem tem medo das polémicas porque vive numa situação instável. O Governo porque depende de negociações permanentes. A oposição porque por muito que faça poucos resultados vê no ponteiro que indica a popularidade nas sondagens, e que teima em não subir.

É estranho ver o Governo a reagir e a decidir com base em polémicas virtuais, muitas vezes alimentadas por contas falsas ou anónimas, e é igualmente estranho ver a oposição a opor-se muitas vezes com base em casos que desconhece com profundidade e que alimenta de forma populista acreditando que vai retirar dividendos políticos destas polémicas insufladas, não percebendo que o Twitter e as outras redes alimentam notícias na comunicação social e discussões na rede, mas pouco importam aos cidadãos comuns, aos que realmente vão votar. Que raramente são estes "indignados de sofá".

O caso do Panteão é disso um bom exemplo.

O embaixador Seixas da Costa deu o pontapé de saída com uma pergunta que fazia sentido: "ajudem-me, acham mesmo normal que o jantar da Web Summit seja entre os túmulos do Panteão Nacional?" A pergunta fazia sentido, era preciso saber onde, no Panteão, tinha acontecido o jantar e em que circunstâncias. O que se seguiu foi a loucura total, uma maré de indignações, afirmações e suposições, de reacções e decisões, muitas delas baseadas numa ignorância atroz ou com a intenção de criar mais uma polémica.

O ministro da Cultura "estranhou", o primeiro-ministro considerou "indigno" o jantar naquele local, o Presidente da República considerou que não era um local "adequado" para estas celebrações, o PSD - que aprovou a lei mais recente e mais benevolente, que autoriza jantares e cocktails precisamente alugando o Corpo Central do edifício, onde se realizou este jantar - apelou a demissões, o CDS responsabilizou o Governo como se não houvesse qualquer precedente e até o Bloco de Esquerda e PCP alinharam no coro dos indignados com a "mercantilização" destes espaços e com a "lamentável e infeliz" decisão de permitir um jantar. Onde? No Corpo Central do Panteão Nacional onde parece que não existem restos mortais ou cenotáfios de quem quer que seja.

E o que sabemos depois de uma investigação sem grande profundidade? Que este é o décimo jantar - além de outras celebrações - no espaço do Panteão, o terceiro só este ano. O primeiro aconteceu em 2002. Ou seja, no Panteão já se organizaram vários jantares e eventos durante vários governos. Até, imagine-se, o lançamento de um livro com muita "magia" à mistura. "Harry Potter e a Ordem de Fénix" foi lançado neste espaço em outubro de 2003, mas como não foi com a amaldiçoada Web Summit a coisa terá parecido normal na altura.

O que muitas pessoas também não sabem é que, apesar de "O" Panteão Nacional, criado por Decreto de 26 de setembro de 1836, estar instalado em Lisboa, na Igreja de Santa Engrácia - para "a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade" - há mais locais aos quais é reconhecido o mesmo estatuto "sem prejuízo da prática do culto religioso". São eles o Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha, e a Igreja de Santa Cruz, em Coimbra.

Quantos eventos se organizaram ao longo dos anos no Mosteiro dos Jerónimos, onde estão os túmulos e cenotáfios de vários portugueses ilustres e com relevantes serviços prestados à nação lusitana? Vários e de todo o tipo, desde cimeiras a casamentos, passando por funerais e tomadas de posse.

Que se altere a lei, porque se descobre que os diplomas têm lacunas, e não para agradar à turba das redes sociais, ávida de polémicas sanguinárias, ou para fazer politiquice, a governar ou na oposição à governação.

pub