Umbiguismo e trapalhadas à portuguesa

O caso da Caixa Geral de Depósitos, não apenas o histórico dos últimos anos mas também as dificuldades em encontrar uma liderança estável e de confiança, diz bem do caminho que vai ter de ser percorrido até que exista no país uma cultura de responsabilidade e de serviço público, que pense primeiro nas instituições e só depois nas pessoas em concreto, e os seus interesses pessoais. No mau filme da CGD toda a gente sai mal, com especial destaque para os dois aparentes vilões deste enredo: António Domingues e Mário Centeno. O primeiro porque aparentemente terá sido vingativo e agiu de forma despeitada, o segundo porque permitiu que o principal banco do país fosse exposto a uma instabilidade desnecessária e não desejável.

A Caixa Geral de Depósitos é o banco público. É um banco que deve ter como base a confiança dos depositantes e a garantia de que serve de financiador prioritário da economia portuguesa. Mas com bom senso, responsabilidade e critérios de boa gestão e governação, sem facilitismos políticos nem intenções retorcidas. É tudo o que tudo aparenta não ter sido nos últimos anos. Terá servido para alojar comissários políticos, muitos sem currículo e para promover negócios que se revelaram ruinosos, falta saber se com intenções políticas. Não tivesse sido o vendaval que varreu a banca internacional, e por maioria de razão a portuguesa, e talvez ainda estivéssemos a tentar tapar o sol com a peneira, com os mesmos de sempre a alertar para uma situação que alguns nunca ajudaram a resolver quando tiveram poder para isso.

A escolha de Mário Centeno é desastrada. Porque ou conhecia bem António Domingues, e sabia que era uma pessoa obstinada a quem não se pode prometer o que não se vai cumprir - e não vale alegar com a interpretação diferente que se faz das leis -, e escolheu mal, ou não o conhecia e não o podia ter escolhido sem conhecer bem as suas características pessoais. Não se trata da escolha de um qualquer director-geral ou presidente de uma empresa pública - ainda que estes casos também mereçam exigência máxima -, trata-se do líder do banco público português, pilar essencial do sistema financeiro nacional. António Domingues mostrou desde cedo que levaria até às últimas consequências a defesa do seu ponto de vista pessoal em detrimento do interesse nacional. Só assim se justifica que tenha recusado prolongar o mandato por mais uns dias, sabendo que ia criar um clima de incerteza e desconfiança à volta da instituição, em mais uma polémica à volta do banco público. Teimosia? Despeito? Uma questão de princípio? Irresponsabilidade e egoísmo na minha opinião. Todos nós às vezes temos de aceitar o que não desejamos nem queremos a bem do interesse colectivo, ou então, sabendo ao que vamos ou aquilo que podemos passar não o aceitamos de todo. Mais tarde, com a Caixa já liderada por Paulo Macedo - sobre quem parece haver poucas dúvidas sobre a capacidade técnica, de gestão e de qualidades pessoais - trataria de acertar contas com o governo e demonstrar que tem razão no argumento de que houve uma promessa do ministro das Finanças que não está a ser honrada e cumprida na íntegra. Não se percebe também que razões levam António Domingues a mostrar pavor em revelar os seus rendimentos e património. A explicação que é da esfera pessoal só colhe se não se aceitar cargos públicos. Mas isso é da sua lavra pessoal, e se for caso disso das autoridades competentes.

O processo tinha começado mal. O BCE deu chumbo grosso em alguns dos nomes sugeridos ao Governo para administradores não executivos - escolhas da responsabilidade de António Domingues - ou por conflitos de interesse ou, pior, por não estarem devidamente habilitados para exercerem os cargos para os quais foram escolhidos. Por António Domingues. Ou pelo menos indicados ao Presidente da Caixa e aceites por ele.

Já pode voltar à prática da vela de que tanto gosta, mas escusava de ter provocado uma tempestade desnecessária, que um dia poderá cair sobre pessoas que infelizmente não possuem os seus rendimentos e património e que em nada podem beneficiar com uma eventual crise ainda mais grave na CGD. Além disso, como se sabe, estão em curso dois processos fundamentais: de recapitalização de reestruturação. E quanto mais profundo tiver de ser o último mais despedimentos e encerramento de balcões terá de haver.

Ao governo pede-se que tenha mais rigor e cuidado na escolha de quem lidera instituições que são de serviço público, e onde o grau de exigência tem de ser máximo, sempre em prol da instituição e nunca em benefício pessoal, dos amigos ou de qualquer interesse exterior. Porque isso significa sempre que há muita gente prejudicada, normalmente pessoas sem culpa nos processos.

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