2016 em Espanha, o fim e o reinício do bipartidarismo

O ano estava quase a terminar, faltavam 2 meses, quando Espanha teve um Governo renovado. Vamos chamar-lhe assim. Mariano Rajoy continua no poder, o executivo pouco tem de novo, os principais ministros mantêm-se, o essencial das políticas também.

O PP continua a governar o país, apesar dos sucessivos casos de corrupção, ligados a antigos e atuais dirigentes, que surpreenderam a sociedade espanhola e obrigaram a mudanças na estrutura do partido. O mega julgamento do chamado “caso Gürtel”, por exemplo, que senta no banco dos réus 37 pessoas, mais de metade antigos dirigentes, altos dirigentes, do PP, entre eles os últimos 3 antigos tesoureiros do partido, acusados de corrupção, numa gigantesca malha de tráfico de influências, parece não ter tido qualquer influência no momento de escolha dos eleitores. O mesmo aconteceu com o “caso Taula” que, recentemente, ficou marcado pela morte da senadora Rita Barberá, uma histórica do PP, antiga Presidente de Valência, anos a fio. Morreu com um ataque cardíaco num hotel de Madrid, a 100 metros do Congresso dos Deputados, pouco mais de 24 horas depois de se sentar no banco dos réus, sozinha, afastada do partido, abandonada por “amigos” de toda uma vida, para não perturbar a imagem do PP, como se de uma doença se tratasse.

Dez meses de instabilidade e lutas políticas conduziram às segundas eleições em seis meses; ao fracasso de dois candidatos na sessão de investidura, Pedro Sánchez e Mariano Rajoy, algo que nunca tinha acontecido na história da democracia em Espanha; à saída forçada de Sánchez da liderança dos socialistas. Agora são geridos por uma entidade, uma comissão que viabilizou o Governo de Mariano Rajoy e trouxe de volta essa palavra, uma constante nos últimos 38 anos: bipartidarismo. Parece irónico: 2016, o ano que começou exatamente com o anúncio do fim de uma alternância no poder PP – PSOE, com promessas de sangue novo, de fórmulas políticas renovadas, vitaminadas, com o Podemos e o Ciudadanos, termina, exatamente, com o regresso desse mesmo bipartidarismo. Renasceu com os pactos entre populares e socialistas sobre o salário mínimo e o défice público, potenciado por uma guerra de poder e liderança no Podemos de Pablo Iglesias, assim como na formação de Albert Rivera, onde 400 críticos exigem a renovação do partido.

Em 10 meses de indefinição política, a economia espanhola continuou de boa saúde, cresceu mais de 3%. Pelo contrário, o desemprego mantem-se como o segundo mais elevado da União. Há cerca de 4 milhões de espanhóis sem trabalho, quase 19%. Nas ruas, perante o nosso olhar, há cada vez mais pessoas

a dormirem em cartões, debaixo de um céu impiedoso, a enfrentarem o frio cortante e a solidão da noite de Madrid. Ninguém nos conta. Só não vê quem não quer. Jovens, idosos, mulheres grávidas.

Há muito que, no planeta, parece viver-se numa espécie de bipartidarismo humano, em que existem dois “partidos”, o dos fortes e o dos fracos. A vida parece “jogar-se” em dois planos: o dos que têm tudo e o dos que nada têm; o dos que têm sorte e o dos que só acham o azar. Tal como sucedeu na política em Espanha, por muito que aconteça, dificilmente algo pode mudar esta monótona e triste dualidade. Temo que andamos demasiado preocupados e abstraídos com coisas banais. Boas Festas!

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