D. Rajoy de la Mancha e o debate imaginário

Como o “cavaleiro da triste figura” de Cervantes, os políticos continuam a insistir em lutar contra gigantes, sem reparar que são apenas moinhos de vento. Por algum motivo, parecem ter perdido a razão, tal como Quixote, voltam a cometer os mesmos erros, a repetir críticas, a sublinhar as mesmas linhas vermelhas de dezembro… que os levaram a “falhar” e a ter de repetir eleições. Os moinhos, os rebanhos de ovelhas que o louco cavaleiro de la Mancha transformava em inimigos perigosos, apenas o conduziram a aventuras e desventuras imaginárias. No caso da política Espanhola, e sem um Sancho Pança com uma visão mais consciente, o país arrisca-se a entrar noutro ciclo, real, sem fim à vista.

Esta obra não tem encanto e pode ser o cabo dos trabalhos. A uma semana e meia das eleições, andando pelas ruas, poucos são os espanhóis que querem falar de política e só aqueles que estão diretamente ligados aos partidos enaltecem o sistema e quem os representa.

Esta semana Espanha parou. Durante horas, não se falou do massacre de Orlando, do Referendo no Reino Unido, das ousadias de Trump na campanha americana. Ao longo de horas, Espanha parou para produzir, transmitir, assistir ao primeiro debate a 4 na história das eleições gerais no país. O primeiro, o único até 26 de junho. Em dezembro, Mariano Rajoy declinou o convite e não foi mais criticado, nem, de acordo com as sondagens, perdeu votos com a ausência. Desta vez, compareceu para um duelo que prometia ser de três contra um, vivo, esclarecedor, mas que tal como os gigantes de Quixote, só viveu na nossa imaginação e expectativa.

500 jornalistas acreditados, de 70 media, de 11 países. Um aparato mediático e de segurança assombroso. Três moderadores, jornalistas de renome em Espanha, cenário, música, tempos… tudo traçado ao pormenor. A nova política, Albert Rivera e Pablo Iglesias, chegou sem gravata. O bipartidarismo, com Pedro Sanchez e Mariano Rajoy, não abdicou do acessório e do toque mais formal.

O que aconteceu a seguir foi a antítese de tudo. D. Rajoy, qual fidalgo cavaleiro atacado em todas as frentes, puxou dos galões e da experiência de governação e foi lendo as inúmeras notas, em post it, coladas na estrutura onde se encontrava.

Sanchez distribuiu críticas à direita e à esquerda. Só Rivera ficou de fora. O líder do Ciudadanos preferiu lançar farpas a Rajoy e atacar Iglesias, que passou o tempo a dizer a Sanchez “Pedro, não sou eu. O adversário é Rajoy, Pedro!”

Raramente falaram entre eles. Nunca olharam nos olhos uns dos outros. O debate foi uma sucessão de pequenos monólogos, estudados, decorados até à exaustão com os respetivos assessores. Apenas, por duas/três vezes houve um pequeno confronto de palavras e a discussão não foi para esclarecer pontos dos Programas de Governo ou políticas sociais, mas sim para defender a honra por alegados financiamentos “sujos” ou ligações a casos de corrução.

Os jornalistas limitaram-se a lançar perguntas, muitas delas, com respostas mais do que previsíveis e politicamente corretas e a gerir o tempo. Moderaram o relógio, não o debate, porque realmente debate, confronto, discussão não existiu.

Talvez o eleitorado que continua indeciso (mais de 32%, de acordo com a última sondagem do CIS) tenha finalmente entendido por que razão não houve acordo. Não chegaram a um pacto pelo Governo, pelo futuro de Espanha porque, simplesmente, não conversam, só se ouvem a eles próprios e ninguém os chama à razão. Que falta faz por aqui um Sancho Pança.

A Miguel de Cervantes atribui-se a frase “Confia no tempo, que costuma dar saídas doces a muitas dificuldades amargas”, mas também escreveu, há mais de 400 anos, que “Nada existe de mais pequeno que um grande dominado pelo orgulho”.

Espanha parou e não foi só no debate.

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