Na política (não) vale tudo

Pedro Sanchez caminha na rua, dirige-se para uma ação de campanha. Cruza-se com uma família africana, mãe e dois filhos. A mulher tem algo numa das mãos, um pacote com comida. Sanchez passa, cumprimenta a mãe, com um aperto de mão, e depois as crianças. O mais pequeno olha para a palma da mão, depois do passou-bem ao líder socialista (parece que estava suja) … Sanchez avança e, pouco depois, passa uma mão pela outra, como se limpasse algo, encontra-se com jornalistas.

“Sanchez é racista. Limpa as mãos depois de cumprimentar uma família negra!” A acusação acompanha o vídeo que, de forma viral, se espalha pela internet. Em poucos minutos, multiplicam-se as partilhas. Em poucas horas, multiplicam-se os ataques, inclusive por parte de altos dirigentes do Partido Popular. A Presidente da Comunidade de Madrid, Cristina Cifuentes, foi das primeiras a partilhar o vídeo no Twitter, acompanhado pelo comentário “Que horror!”

Ninguém sabe ao certo de quem foi a ideia. A acusação nasceu em contas do PP e do Podemos, nas redes sociais, e contaminou a campanha a cinco dias do fim. No último dia em que era possível divulgar sondagens em Espanha antes das eleições, as mesmas sondagens que colocam o PSOE em terceiro. Pedro Sanchez indignou-se, negou, disse que “em política não vale tudo”, seguiram-se as condenações de líderes políticos como Pablo Iglesias, que lamentou o sucedido, a manipulação, a utilização de uma imagem para atacar um adversário.

Aconteceu com Sanchez, podia ter sucedido com Rajoy, Rivera ou Iglesias. Numa campanha copiada a papel vegetal da de dezembro, onde a novidade é a coligação Unidos Podemos e o “sorpasso” (termo italiano), a ultrapassagem do PSOE pelo bloco político liderado por Pablo Iglesias, sucedem-se casos como este que desviam as atenções do que, realmente, importa.

Até os noticiários abrem com outros temas. O Europeu de Futebol ou o Referendo no Reino Unido, quando faltam horas para o encerramento de uma campanha decisiva. Seis meses sem Governo. Seis meses de conversas, negociações fracassadas. Seis meses em que o Rei Filipe VI teve de adiar ou cancelar quase toda a agenda fora de Espanha. Tudo pemanece igual. Mariano Rajoy garante que, tal como aconteceu em janeiro, se não vencer com, ou negociar, uma maioria estável, não aceita o convite do monarca para se

submeter a uma sessão de investidura. Albert Rivera, do Ciudadanos, mostra-se disponível a negociar um Governo com o PSOE e com o PP, depois das eleições, mas exige a saída de Rajoy. Pedro Sanchez assegura que não vai pactar com o PP e repete, com insistência, o exemplo grego e o fantasma do separatismo para tentar travar Pablo Iglesias que continua a subir nas sondagens. Iglesias, por sua vez, insiste que continua com a mão estendida aos socialistas, mas vai lançando farpas (como os grandes elogios e os telefonemas, que diz fazer a Zapatero, para esclarecer dúvidas) para ocupar o espaço político que, no bipartidarismo espanhol, pertencia ao PSOE. Ou seja, tudo igual, numa Espanha onde alguns já aventam a possibilidade de terceiras eleições.

Domingo, ou os eleitores conseguem resolver este imbróglio político, ou Espanha vai voltar a enfrentar meses de indefinição, reuniões, fotografias e conferências de imprensa, para jornalista ver.

Seria conveniente, como dizem alguns analistas políticos, que os líderes dos grandes partidos não fechassem a porta a acordos por estes dias, quando Espanha precisa de um Executivo que governe e que devolva a confiança nos políticos e nas instituições.

Em política não vale tudo, muito menos prolongar uma crise de governação, só porque ninguém está disposto a abdicar do poder.

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