Por aqui, já não se dorme la siesta

Alguém, que bem recordamos, diria que é o fim de um “mito urbano”. Em Espanha, há muito que no se hace la siesta, essa retemperadora pausa de duas ou três horas, depois do almoço, que revigoriza o corpo e a alma, principalmente durante a canícula de Agosto. Os tempos são outros, os ritmos e as exigências familiares, cruzadas com as imposições laborais, também. Os espanhóis preparam-se para alterar os ponteiros do relógio, os hábitos alimentares, o descanso e até as horas em que se sentam para ver televisão.

A despertarem para uma nova campanha eleitoral, os políticos há muito que acordaram para a conquista dos votos. Tudo indica que os espanhóis vão voltar às urnas dia 26 de junho e o PP de Mariano Rajoy “deitou-se” à sesta para ganhar uma boa almofada de apoios e dormir descansado até lá.

O presidente do Governo, em funções há quase quatro meses, apresentou uma proposta (semelhante à que defendem socialistas e Ciudadanos no pacto que assinaram), para que o horário de trabalho no país, das 9h00 às 20h00, termine às 18h00 horas. O fim da paragem para almoço, e para a famosa siesta, não consta do programa de Governo com que se apresentou às eleições de 20 de dezembro e ainda precisa do aval dos parceiros sociais. Esta proposta destapa outras.

Tal como Sanchéz e Rivera, Rajoy quer mudar o fuso horário de Espanha. Acertar relógios com as Canárias, Portugal e Reino Unido. O Partido Popular chega ao ponto de propor a limitação do “prime time” de todos os canais de televisão espanhóis, o horário nobre televisivo, às 23h00. Ou seja, adiantar os telejornais uma hora, passarem das 21h00 para as 20h00 (tal como acontece em Portugal), transmitir os programas infantis mais cedo, tal como os programas de maior audiência, que não devem ultrapassar as 23h00.

À beira de novas eleições, os partidos querem que os espanhóis descansem mais, tenham mais tempo para a família e, imaginem, aumentem a natalidade que, em Espanha, tem andado… a dormitar. A siesta até poderia ter um efeito contrário, propício ao amor, mas a taxa de fecundidade não engana, é de 1,3 filho por mulher. Para equilibrar a população, o país ambiciona uma taxa de 2,1. No entanto, não sabemos se o problema está nos horários de trabalho e dos programas televisivos, ou na carteira que não estica, nos avós que ainda têm de trabalhar e nas exigências de um mundo moderno onde, conciliar a vida pessoal, familiar com a profissional é cada vez mais difícil e extenuante.

Fazer a sesta, para a esmagadora maioria dos espanhóis, é um mito, uma lenda que já dá sono. Para muitas mães e pais, a tradição de parar três horas, entre as duas e as cinco da tarde, transforma o dia de trabalho numa jornada partida ao meio, sem fundamento, e demasiado longa.

Pedro Sanchéz e Albert Rivera, líderes do PSOE e do Ciudadanos e pais de filhos pequenos, defendem também o aumento da licença de maternidade.

Setenta anos depois de Espanha ter acertado os relógios com a Alemanha de Hitler, é bem possível que a maior crise política dos tempos da democracia torne os dias mais pequenos. Difícil, difícil… será mudar os hábitos de almoçar às 15h00, “tapear” com os amigos ao fim do dia e, quando ainda apetece, jantar às 22h00. Por aqui, já não se dorme a siesta, mas também não são só os horários que mudam mentalidades ou ajudam a aumentar a família, só porque se aproximam eleições. 

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