Rajoy na votação e eu… numa operação

Mariano Rajoy discursou de forma cirúrgica, precisa. Recebi o texto de investidura do candidato, pouco antes do início da sessão, esta terça-feira, enquanto contava as horas para entrar no bloco operatório. Irónico, não? A votação, o primeiro chumbo de Rajoy numa sessão como esta, coincidiu com a intervenção cirúrgica que me impede estar em Madrid, neste preciso momento. Rendi-me à anestesia, durante algum tempo, Espanha está paralisada há quase um ano. Quando acordei, tudo estava na mesma… à excepção da minha hérnia discal.

“Alguém aqui está a querer convocar os espanhóis às urnas? Outra vez? Para estar na oposição há que ter um Governo ou, então, não há oposição”. Rajoy espicaçou os socialistas. Evitou compressas ou pensos rápidos para tapar as feridas abertas nos últimos meses. Ao contrário do que tinha dito, Mariano aceitou submeter-se a uma votação no Congresso dos Deputados sem garantias, aliás, com uma única garantia: o fracasso.

Antes de subir à tribuna, já todos sabiam o que ia dizer, tal como Pedro Sanchez ou Albert Rivera. O líder do Ciudadanos não se cansa de vestir a bata de especialista, de se “vender” como o melhor cirurgião para devolver a Espanha uma democracia saudável, assente no diálogo e na negociação. Apoiou Pedro Sanchez depois das primeiras eleições, de 20 de dezembro. Uniu-se a Mariano Rajoy após as segundas, a 26 de junho.

Pablo Iglesias saiu de cena, mas “anda por aí”, promete regressar depois deste primeiro fracasso de Rajoy, para tentar erguer uma alternativa à esquerda. Quanto aos socialistas, não há receitas novas ou milagrosas. Pedro Sanchez não sai do “No es no”. Sabe que voltava a fracassar e, sendo assim, assegura que não vai tentar, outra vez, formar Governo.

Ora, se pensa assim, por que razão não se abstém e permite a alta clínica a uma Espanha internada, há quase oito meses e meio, num marasmo político, legislativo, institucional? O líder do PP, Presidente em funções, precisa de seis deputados para a maioria absoluta. Conseguiu somar, aos 137 que ganhou, os 32 lugares do Ciudadanos e o apoio da Coalición Canaria, mas 170 não é o mesmo que 176.

Sem ouvir os barões do partido que, entretanto, se calaram e só devem voltar a fazer-se ouvir depois das eleições autonómicas na Galiza e no País Basco, a 25 de setembro, Sanchez quer ver Rajoy cair. Pedro Sanchez foi o primeiro candidato a fracassar numa sessão de investidura, em toda a história da democracia espanhola. Depois desta sexta-feira, 2 de setembro, continua a ser o primeiro, mas deixa de ser o único. Tal como o PP não apoiou os socialistas em março, o PSOE também não vai facilitar a vida, não vai ser a bomba de oxigénio, dos populares.

O problema de Espanha, da ingovernabilidade não está na falta de diálogo ou consenso, mas na luta entre dois homens, que teimam continuar agarrados ao poder, aos lugares de liderança, aos escândalos de corrupção ou aos piores resultados eleitorais de sempre para o partido que dirigem. Algo me diz que, quando o período de dois meses estiver quase a expirar (antes de nova dissolução das cortes, a 31 de outubro), o PSOE vai abster-se. O ónus de terceiras eleições é demasiado alto para uma formação política que governou Espanha e arrisca ter ainda menos do que os 85 atuais deputados.

É mais fácil extirpar (espero) uma volumosa e exuberante hérnia discal, que me impede o sossego e massacra há meses, do que extrair a ambição e o desejo de poder a um Homem. Só quando a dor se torna insuportável, e nos trava o caminho, optamos pela solução de entregar o nosso destino a outros. Eu escrevo este texto a horas de confiar no meu neurocirurgião. Sanchez e Rajoy, decerto, acreditam que os Espanhóis ainda não sofreram o suficiente.

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