Chegou a hora de mudar mesmo

Somos todos responsáveis pelo que aconteceu este ano na nossa floresta.

Não adianta chorar sobre o leite derramado, pedir demissões, apontar culpados. Falhámos todos ao permitir que se desinvestisse na floresta que chegou a este caos, ao permitir que se matasse a guarda florestal e as equipas de combate e prevenção dos Serviços Florestais que "viviam" na floresta, ao permitir que o fogo se tornasse um grande negócio para demasiadas pessoas, ao permitir que o combate aéreo não fosse uma prioridade do Estado que deveria estar na esfera da Força Aérea, ao permitir a plantação indiscriminada de eucaliptos, ao deixar que o principal problema de Proteção Civil do país esteja na mão de uma estrutura de abnegados voluntários, que obviamente não chegam para uma encomenda desta dimensão.

Falamos do relatório de Pedrógão, que poucos leram, mas onde se defende uma clara profissionalização de uma boa parte dos meios de combate, nomeadamente na primeira intervenção. Onde se fala da urgência do ordenamento da floresta e da criação de uma guarda florestal com mais meios e uma forte presença em todo o território. Onde se defende uma outra organização da resposta na prevenção e combate que terá que significar uma profundíssima reforma da Proteção Civil.

Concordo em pleno com o reforço dos GIPS da GNR, com a entrada efetiva da Força Aérea na contratação de meios aéreos e na criação de uma base de aeronaves do Estado com essa capacidade.

Concordo com a criação de uma unidade militar muito musculada para ações de combate ampliado, que terá que ser descentralizada e suficientemente ágil para chegar a tempo.

Concordo com a descentralização das decisões para os meios de primeira intervenção. A centralização só atrasa a resposta e não permite uma perceção real das situações. O relatório fala nisso e este é um dos fatores chave para esta nova organização funcionar. Temos que profissionalizar, "militarizar", formar melhor os bombeiros, escolher lideranças competentes, voltar a colocar no terreno os meios adequados, formar unidades profissionais fortes e tremendamente ágeis para a primeira intervenção, com bons meios aéreos e um comando inteligente e interligado.

Nos fogos é fundamental criar uma equipa multidisciplinar, com liderança e confiança entre todos. Os espanhóis fazem isso nas suas equipas, Portugal já o fez.

Permitam que vos recorde os tempos em que na Pista da Lousã, Viseu, Vila Real e muitas outras, se juntavam as brigadas de primeira intervenção, os helicópteros que as transportavam e lhes forneciam apoio, os aviões que faziam o combate inicial. Todos se conheciam e sabiam perfeitamente qual era o papel de cada um e a competência de todos. Funcionava em pleno e ainda há muitos desses operacionais para contar como foi eficaz.

Sei que são outros tempos, com o clima a ser mais severo, a floresta mais desordenada, mas poderá muito bem ser o modelo para uma outra filosofia, que já foi a nossa. No dito relatório aborda-se esta necessidade de proximidade nas decisões.

A hora é de mudanças profundas, de não ter medo de forças de pressão, de afrontar "negócios" e poderes instalados. Se não o fizermos de forma competente e corajosa vamos continuar a adiar um dos mais sérios problemas do país.

Somos todos culpados se o continuarmos a permitir. Chega... Morreram demasiadas pessoas para que tudo siga no caminho que sabemos não ser o correto. Não podemos estar a pedir isto aos bombeiros. Eles são abnegados, mas não merecem que o país lhes continue a exigir a resposta a um problema destes, com este enquadramento.

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