Futebol: Novas tecnologias e nova igualdade

Está provado: o Mundo sempre avança. Depois de em 2013 a Austrália ter finalmente descoberto que os aborígenes são o povo mais antigo daquele território, parece que é desta que o International Board aceita que o vídeo pode ajudar os árbitros.

Claro que com a parcimónia própria de quem consegue - sem se rir - chamar novas tecnologias a essas-coisas-inovadoras-e-ainda-estranhas-e-perigosas a que os mortais terráqueos chamam vídeo, cameras e afins.
Sim, os árbitros vão finalmente ter o direito de julgar com os mesmos meios com que são julgados, nas milenares tentativas que os restantes fazem para os enganar. E muita tinta correu e vai correr sobre o assunto, explicando os méritos percursores da chegada, com ovação, do óbvio ao estádio. Com o devido menosprezo do óbvio, vou passar já ao ângulo seguinte.


A chegada do julgamento vídeo ao futebol, além dos méritos, estabelecerá também aí o fim do direito teórico a outra mal testada iguaria. A igualdade.
Cresci em Santa Iria de Azóia. Chutei com a camisola das Bragadas, nunca suei camisola alguma num dérbi da zona, um Santa Iria - Póvoa. E tenho a certeza de que vai haver dérbis desses além da minha existência.

E, ironia, apesar de o Paulo Catarro, o Alexandre Santos e eu sermos de Santa Iria e da Televisão, também tenho a certeza de que, em nenhum dérbi desse calibre se vai usar o vídeo para ajudar um árbitro.
Continuará a haver bifanas e couratos, pouco ar entre o público vociferante e os juízes.

Dinheiro para vídeo de apoio é que não. Sala de shooting, ainda menos. Drama com isso? Nããã!

Ou seja: constato aqui a evidência de que, mal a tecnologia passe a ajustar as decisões de alguns, estabelecerá sem remédio mais uma fronteira entre os que têm Justiça de primeira e os outros.

A bem do Bem, um regime de castas no tribunal do jogo.

Falta-me ainda perceber outro ângulo: quem capta, quem realiza, quem paga as imagens que vão ajudar a arbitrar? É que para julgamentos iguais, com base em imagens, é preciso reconhecer que a opção de escolher esta ou aquela camera, este ou aquele ângulo, tem tanto de necessário como de subjetivo.

Há uns anos, um realizador amigo decidiu levar uma camera a mais para um estádio, exclusivamente para acompanhar um avançado famoso. Nesse dia, as imagens captaram mil penaltis. Mas como essas não contavam para fazer justiça, não ficou em causa a parcialidade involuntariamente causada pelo SEU querer ver mais.

Conte o que contar para quem lê, sim, eu sou pelo uso de todos os recursos possíveis para descobrir a verdade. Para decidir com Justiça. Não no futebol. Inclusivé no futebol. Lá vos incomodava a tentar suscitar uma reflexão destas se não fosse por isso…

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