Brincar com o fogo

A Catalunha está numa situação limite, à beira de um confronto de legitimidades que pode levar à desobediência civil.

Madrid já mandou entrar a polícia espanhola por considerar que a polícia catalã foi passiva no referendo de independência de 1 de Outubro. Os bombeiros da Catalunha também já vieram dizer que não tencionam obedecer a ordens de Madrid uma vez accionado o artigo 155 da Constituição espanhola que coloca a região sob administração directa do Estado central. O que pretende fazer o governo espanhol? Mandar vir bombeiros também do resto de Espanha? E o que virá a seguir? Os médicos? Os professores?

A Catalunha caminha para uma situação muito volátil e de consequências imprevisíveis, com parte da sociedade catalã a sujeitar-se à legitimidade democrática de Madrid que lhe é conferida pela Constituição e outra parte a obedecer à legitimidade do Parlamento regional, de maioria independentista, eleito democraticamente pelo povo. A possibilidade de uma desobediência em larga escala às ordens emanadas de Madrid é bem real, e logicamente também a hipótese de ameaça à paz social.

Este é o culminar de um diálogo de surdos que leva já mais de uma década. Com todos os partidos entrincheirados nas suas posições, evitando decepcionar os respectivos eleitorados e vê-los partir para outras paragens, foi sendo sempre impossível concertar uma estratégia para resolver a questão catalã, que se impôs a Espanha desde o Estatuto autonómico de 2006. O Estatuto foi expurgado pelo Tribunal Constitucional de partes muito substanciais, e desde aí não pararam de aumentar a indignação contra o Estado espanhol e as “Esteladas” – a bandeira do independentismo – nas janelas e varandas da Catalunha. A ponto de o debate político, na região, se ter tornado monotemático, concentrado em exclusivo na independência.

O PP foi ignorando o problema, evitando enfrentá-lo, para não desagradar à sua base eleitoral, fortemente ciosa da legalidade e da integridade de Espanha, e para não ser acusado de fragilidade pelos outros partidos. Mas o “monstro” cresceu até à constituição de uma maioria parlamentar catalã formada por partidos que, apesar de terem tido sempre visões distintas sobre o nacionalismo/independentismo, acabaram por concordar com um roteiro que tem como meta a proclamação da independência.

Chegou-se a um extremo na Catalunha. E quem assistiu à manifestação de sábado, em Barcelona, contra a prisão dos independentistas Jordi Sànchez e Jordi Cuixart e contra o artigo 155, pode apostar que Madrid não assumirá a administração directa da região sem resistência. A capacidade de mobilização nem tanto dos partidos mas das organizações da sociedade civil Assembleia Nacional Catalã e Òmnium Cultural, organizadoras do referendo de 1 de Outubro, esteve bem patente naquele meio milhão de pessoas que fizeram ecoar no Passeig de Gràcia toda a sua revolta contra Espanha.

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