Não mexe, não estraga

Por favor não deem cabo do trabalho feito no Maria Matos.

A vereadora da Cultura da Câmara de Lisboa, Catarina Vaz Pinto, quer entregar a gestão do Maria Matos a privados e tornar o teatro num espaço virado para a bilheteira, com produções para o grande público. Teme-se o pior para o grande público. E para o teatro. Um palco diferenciado na cidade para as expressões artísticas contemporâneas corre o sério risco de desaparecer, e isso é como querer fechar o restaurante para abrir uma roulotte de bifanas.

A vereadora pede que não desanimemos, porque o trabalho do Maria Matos sobreviverá noutros espaços. A programação infanto-juvenil vai para o renovado Luís de Camões. E o Teatro do Bairro Alto, onde estava a Cornucópia, vai receber as artes performativas contemporâneas, que serão programadas pelo futuro diretor artístico a escolher em concurso público.

Mas isto é trocar o certo pelo incerto. Independentemente do que se fizer na antiga Cornucópia, não parece à partida possível oferecer, no Teatro do Bairro Alto, as mesmas condições que os artistas têm tido no Maria Matos. Uma das forças do Maria Matos tem sido dar a artistas que estão habitualmente nas margens a possibilidade de crescerem e de apresentarem o seu trabalho de uma forma regular e em condições óptimas. Mandá-los para o Teatro do Bairro Alto é como tirá-los de um lugar central para os remeter, novamente, para as margens.

Tiago Rodrigues, que está hoje no Dona Maria, evoluiu no Maria Matos. A companhia Mala Voadora idem. O “Atlas” que Ana Borralho e João Galante andam a apresentar pelo mundo resultou de uma encomenda do Maria Matos. Promotores musicais independentes tiveram ali uma oportunidade continuada de programarem para uma sala maior e dotada de excelentes condições técnicas. Músicos como Joana Sá, Filho da Mãe, Tiago Sousa ou Sensible Soccers, entre tantos outros, puderam consolidar projetos que depois circularam pelo país. Referências musicais contemporâneas, como Max Richter, Jon Hassell, Peter Evans ou William Basinski, sucederam-se na programação a um ritmo constante. Para não falar das redes internacionais em que o teatro se integrou e que ajudam a pagar a programação, além de abrirem hipóteses de co-produção.

O que resistirá de tudo isto nas políticas públicas da câmara para os teatros municipais e em que condições? Vaz Pinto alega que não faz sentido prosseguir no Maria Matos uma programação parecida com a que Mark Deputter, agora na Culturgest, ali desenvolveu porque não é bom para a cidade estar toda a gente a fazer o mesmo. Mas o trabalho de Mark Deputter na Culturgest é diferente daquele que fazia no Maria Matos, porque está mais focado em produções de teatro e dança apropriadas para Grande Auditório. Com a música acontece o mesmo. Deputter disse publicamente, aliás, que a Culturgest tem um projeto não igual mas sim complementar ao do Maria Matos. Por isso me parece que o Maria Matos tem estado muito bem como está e assim deve continuar. A mexer, que seja para deixar tudo na mesma.

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