Políticos pelos cabelos

O mayor de Londres, Boris Johnson, cortou o cabelo antes de anunciar que ia fazer campanha pelo “não” à permanência do Reino Unido na UE, no referendo de junho. Não sabemos se o fez para ganhar credibilidade, em qualquer caso terá feito mal. Devia antes olhar para Donald Trump que, com o seu garboso “cabelinho à f***-se”, parece embalado para a nomeação republicana nas presidenciais americanas de novembro.

Manifestamente, políticos com a “gravitas” de um Professor Cavaco já não estão na moda. Por todo o lado imperam figuras excessivas, exóticas, histriónicas, incluindo em países com fortes tradições democráticas, como os EUA ou o Reino Unido, onde os eleitores parecem crescentemente “in love” com a política-espetáculo e os seus mais exímios praticantes, verdadeiros agentes provocadores, de língua afiada e com maus cabelos. 


O presidente da câmara de Londres, Boris Johnson, é um dos exemplares da espécie. Presença permanente nos jornais britânicos, pelas inúmeras palhaçadas e pelo cabelo “à Beatle albino” – uma cabeleira tão popular que dispõe de perfil próprio no Twitter –, Johnson esteve esta semana nas bocas do mundo, porque apareceu a liderar a campanha do “não” à continuidade do Reino Unido na UE, no referendo de junho.

Foi um acontecimento importante, uma vez que as posições eurocéticas de Johnson influenciam um em cada três eleitores britânicos. E porque, se o “não” ganhar, isso dará gás à mal disfarçada ambição do mayor de Londres de suceder ao rival Cameron na liderança dos “tories”, em 2019 (ou até antes), e um ano depois na chefia do Governo.

Apesar de a militância conservadora preferir, para a liderança do partido, o perfil mais aprumado de George Osborne – o europeísta ministro britânico das finanças –, é razoável que Johnson sonhe cumprir a sua ambição, dado que é francamente mais popular do que Osborne para a população geral. Graças também ao cabelo, que é claramente o seu maior capital político. 

Mas estes “acessos de normalidade”, como cortar o cabelo antes de anunciar que ia fazer campanha pelo “não” – já o tinha feito para ir à cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, nessa altura cortou “à Justin Bieber” –, podem pôr-lhe paus na engrenagem. É que é precisamente pelo ar desgrenhado que Johnson vende bem. Vale-lhe, no entanto, que estas coisas estão na massa do sangue. Por mais que se esforce Johnson nunca conseguirá parecer “normal”. Ainda agora, no debate com Cameron no Parlamento sobre o “Brexit”, teve de ouvir dos deputados que se lhe opõem que “pusesse a camisa para dentro das calças”.

Boris Johnson devia seguir o exemplo de Donald Trump, personagem de que confessadamente não gosta – talvez pelas muito evidentes semelhanças capilares, mas isso não sabemos. A verdade é que Trump tem demonstrado à saciedade que, nestes tempos dominados pelos media e pelas redes sociais, não é preciso desistir de um cabelo ridículo para concretizar objetivos políticos. A cavalo de um discurso de pôr os cabelos em pé, o magnata começou como comédia mas pode acabar em tragédia para os seus adversários diretos nas primárias republicanas. Mesmo a nível nacional, Trump bate Hillary Clinton nas sondagens sobre a eleição presidencial.

De modo que é legítimo esperar ver Donald Trump e Boris Johnson muitas vezes juntos, daqui por uns anos, em ocasiões oficiais (o que dará, certamente, boas fotografias daquelas que vemos a decorar cabeleireiros). Eles têm sabido medrar num terreno político de rebelião contra o sistema, cativando com o seu populismo “anti-establishment” as multidões descontentes com “os políticos de sempre”, e revelando-se puros mestres na “política de estilo de vida”, tornada muito forte em Itália, por exemplo, sobretudo a partir de Silvio Berlusconi – a expressão é do politólogo José Santana Pereira, que acaba de lançar o livro “Política e Entretenimento”.

A Portugal, já se sabe, as coisas chegam sempre mais tarde. Ainda não nos caiu no regaço nenhum Donald Trump, Boris Johnson ou Beppe Grillo. Mas já temos o Tino de Rans e um “telepresidente” que vai tomar posse ao som de Anselmo Ralph, José Cid e Pedro Abrunhosa. O que contribuirá, seguramente, para reaproximar os cidadãos da política. Da quê? Política?



pub