Atropelam-se, atropelam-nos

São centenas. Homens, mulheres e crianças, alguns com malas enormes às costas, outros arrastando-nas na terra seca, extenuados pela fuga, pelo temor do que estão a conseguir deixar para trás. O ar carrega-se de pó e torna-se quase irrespirável. Mas ninguém pára até atingir a estrada segura onde se amontoam jornalistas ávidos de emoções alheias, polícia e exército para organizar aquele simulacro de caos, elementos de organizações humanitárias para um simulacro de apoio da comunidade internacional.

Nessa tarde frenética, a fronteira entre a Líbia e a Tunísia simbolizava uma etapa mais no irreversível processo da "primavera árabe", e acreditava-se então que aqueles seriam refugidos de curta duração, que a revolução traria a paz, a democracia e o desenvolvimento, que ela mudaria radicalmente o país. E depois da Tunísia e do Egipto, era então a vez da Líbia. Só que durou pouco a "primavera". Em todos eles e noutros mais. Insegurança, ditadura, guerra civil, milhares de mortos, milhares de refugiados, eis o que nos sobra desses dias de encanto.


Hoje, como ontem, o Ocidente vagueia perdido no médio Oriente e norte de África. Entre compromissos financeiros e jogos de poder e influência joga a sua própria influência. Faz vista grossa a sauditas e qataris, à sua indecorosa visão ideológica da sociedade (grande responsável pelo terrorismo islâmico); deixa-se enganar pelos turcos, país a caminho de uma democracia musculada, com a comunicação social e ser silenciada; sofre na pele das suas cidades atentados aos seus valores, ao seu modo de vida. O Ocidente está orla do atoleiro em que se transformaram quase todos os países onde o "inferno" árabe chegou.

E não parece ter uma acção consistente e pensada em nome de valores. Reage de supetão. Veja-se o caso dos refugiados, aqueles que já deveriam ter regressado às suas casas, aos seu países, com as tais malas que carregavam ou arrastavam fronteiras fora. Depois de os quase ignorar durante anos, deu com eles a chegarem às suas ruas, às suas cidades. E tomou-se então de amores. Mas foi apenas uma paixão fugaz. Prepara-se agora para os rejeitar. Mais do que não ter ideias, o Ocidente parece não ter ideais.

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