Sombras e Luz

Animados por ideais humanistas, determinados em preservar a paz, países e povos mostraram ter aprendido com a devastação que o mundo tinha vivido após duas guerras mundiais - milhões de mortos numa carnificina nunca vista, um número igualmente inaceitável de deslocados, destruição de bens públicos e privados sem paralelo... As sombras do pesadelo levaram à criação da ONU, onde se estabelece que "nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra", e lançaram também a luz para os fundamentos da União Europeia, onde os signatários do Tratado de Roma declaram pretender "estabelecer os fundamentos de uma união sem fissuras e mais estreita entre os países europeus".

Ao longo de várias décadas ambas criaram uma multiplicidade de organismos, da Unesco à Unicef, da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu, remetendo sempre essas novas arquitecturas para o desígnio de servir povos e países, dirimir conflitos, procurar consensos entre divergências. No fundo, tratou-se sempre de dar aos cidadãos do mundo e aos povos do mundo essa ideia de haver algo/alguém a quem recorrer, algo/alguém que funcionasse como farol de esperança na procura da paz, mas também algo/alguém que pudesse ser um último recurso de justiça, algo/alguém que permitisse criar ambientes de segurança, liberdade e tolerância. Nem sempre foi possível. Mas teria sido sempre muito pior sem essas duas entidades supranacionais.


Só que o tempo e a distância do flagelo dessas duas guerras globais acabou por levar ambas as organizações a distanciarem-se daqueles para quem foram criadas. A opacidade de várias decisões e os jogos de bastidores de muitos dos seus/nossos dirigentes foram construindo uma relação de desamor entre elas e os cidadãos e povos.

Esta semana, de uma forma muito singular, cruzam-se em Nova Iorque as duas organizações. A primeira, as Nações Unidas, porque procurou reabilitar a sua imagem num processo de transparência para a escolha do seu próximo secretário-geral; a segunda, a União Europeia, porque mostrou fissuras, desunião, inventando nos limites da legalidade e num jogo de bastidores uma candidatura de última hora para esse mesmo posto.

O resultado da votação que vier a ocorrer no Conselho de Segurança será inequívoco. Para as Nações Unidas.

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