A televisão morreu na Islândia

Há nestas terras brancas todos os sentidos da morte. O frio e a distância e a luz tímida e as árvores escuras fazem da Islândia o mapa de todas as solidões.

E depois as pessoas, que por educação ou civismos não se expressam. Nada. Caras limpas como a neve. Olhos brilhantes como o gelo. E o paradoxo de uma simpatia sempre presente, gesto simples para melhorar o dia.

Como se o mar em frente fosse já suficientemente violento para tempos anónimos. Assim, o vento harmoniza e diz que os sorrisos, mesmo distantes, são puros.

Valter Hugo Mãe, escritor português, lançou esta semana a edição islandesa de “A Desumanização”. Contou com a festa das letras escritas em língua impraticável por um português acabado de aterrar. Mas Valter Hugo Mãe por cá já veio oito vezes e mais diz que “Tak” (obrigada). Acrescenta também esse olhar cirúrgico sobre as pessoas. Notável proeza de conseguir que os taxistas lhe digam mais do que “sim” e “não”.

E encher uma sala de espectáculos de islandeses para a festa da literatura portuguesa. Nessa sala, entrou um viking de olhos semicerrados e cabeça baixa, em jeito andante de infância calada. Entre sintetizadores e instrumentos de pedras e cordas circulares, o concerto da noite foi como se um silêncio povoado de elfos voadores. Em silêncio, se ouviram as frases inventadas por Valter Hugo Mãe em islandês como uma oração. Cerimónia se fez.

E depois a festa. As portas e o encontro com o escritor. Muita gente e horas de conversa. Muito ficam para tocar no livro, muitos pedem o autógrafo provado. Vão para casa tarde, depois de uma cerveja partilhada.

Chega outra vez o silêncio. A rua deserta do frio implacável. As janelas das luzes, vivas pela noite fora, de tão poucos automóveis na rua. Por hábitos interrompidos e rostos pouco coloridos, assim se manifesta homenagem devida ao escritor Valter Hugo Mãe, que lança na Islândia a edição do seu livro “A Desumanização”.

A Televisão morreu na Islândia e explico melhor na próxima sexta-feira.

O livro “A Desumanização”, de Valter Hugo Mãe, é uma edição da Porto Editora.

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