O foco no infinito

Esta semana Eduardo Lourenço recebe mais um prémio. Tem essa aura de ser mestre e de ter nos prémios o nosso agradecimento. Gentil e constante, sábio e justo, é por palavras que nos leva.

A primeira vez que me cruzei com Eduardo Lourenço foi por causa dos filmes. A conferência estava marcada para a Fundação Luso-Americana com o tema: O Cinema e os Mitos. Ou talvez os mitos e o cinema, porque a construção da narrativa fílmica tem esse lado onírico-perfeito. Com muita fé à mistura. Tentamos distanciarmo-nos das emoções filmadas, mas depois choramos e gritamos, apertamos mãos e tapamos os olhos. E ficamos totalmente viciados em minutos de pura invenção, que só essa sala escura nos pode dar.

Houve um filósofo alemão que um dia escreveu um livro magnífico: “A Essência do Cristianismo”, Ludwig Feuerbach. Publicado em 1842, conduz-nos por uma ideia da religião pura e magnífica. Do cristianismo, retira essa ideia do melhor do ser humano, do que nos torna todos os dias mais, de uma construção que nos rege para um mundo perfeito. O Cristo é esse homem que se imagina, o melhor de todos nós. Ideia minha, que retirei daquela obra, para depois ter a pretensão de relacionar a religião e o cinema, como sistemas de “glorificação humana” e encontrar semelhanças (abusivas, com certeza). O que o ateu Feuerbach nos diz, e o que o cinema nos provoca, é dessa busca infinita pelo “homem bom”, mesmo dando a mostrar o pior de que os “homens” conseguem fazer. Uma espécie de revisitação permanente da moral humana (ou será melhor dizer ética?) sem que isso seja tormenta ou punição, mas sim procura de palavras e sentidos, estruturas mentais organizadas em respostas (pré-formatadas) para se continuar a viver sem pensar que a morte é o fim. Assim, o cinema eterniza as estrelas e as histórias, os finais felizes e as tragédias antes de terminar a rodagem de um filme. Assim, a religião faz-nos olhar ao alto e saber que Cristo foi aqui da Terra e que a morte inevitável nos eterniza numa paisagem de Paraíso.

O que Eduardo Lourenço nos explicou sobre o cinema, principalmente nesses anos dourados dos 50 do século XX, é que se constitui, como o grande fazedor de mitos da América nova. Com 240 anos, os estados unidos de tanta gente vinda de tanto lugar, preencheram os lugares dos deuses com as figuras dos filmes, olhando sempre para o alto dos montes Hollywood. O cinema fez-se lugar de cultos democráticos e liberais, o paraíso reinventou-se no “sonho americano”.

O que Eduardo Lourenço nos revela é esse olhar magnífico sobre o cinema, como uma das melhores invenções humanas, em que nos colocamos frágeis e inseguros, na ânsia de uma resposta. Aquela que se quer permanente, aquela que nos sossega perante esse terrível infinito. A resposta à questão: afinal, o que é que andamos todos aqui a fazer? Por mim, até faria filmes. Sempre com o foco no infinito.

Obrigada Eduardo Lourenço.
Obrigada Professora Adriana Veríssimo Serrão, que tanto ensinou de Filosofia. E do mundo.

Eduardo Lourenço recebe o prémio Vasco Graça Moura – Cidadania Cultural esta quarta-feira, pelas 18 horas, no Casino Estoril


L. Feuerbach, A Essência do Cristianismo, Tradução Portuguesa de Adriana Veríssimo Serrão, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

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