Animais de laboratório. Portugal aumentou uso em 34,7% no espaço de um ano

por Joana Raposo Santos - RTP
Na União Europeia, o número total de animais utilizados fixou-se nos 8,92 milhões em 2018, uma redução relativamente ao ano anterior. Nacho Doce - Reuters

Há cerca de um ano, a Comissão Europeia lançava, pela primeira vez, o relatório mais transparente de sempre sobre a utilização de animais em experiências de laboratório. Na lista constavam roedores, peixes, moluscos marinhos, aves e até cães. Este ano, o novo relatório de Bruxelas - relativo a 2018 - revela diferenças significativas em Portugal, começando pelo número de animais utilizados: houve, no país, um aumento de 34,7 por cento no uso de animais em relação ao ano anterior.

Roedores, porcos, ovelhas e peixes. Estas foram, em 2018, as principais espécies usadas para investigação em Portugal, num total de 62.323 animais. Ao contrário de outros países, em território português não se usaram cães, gatos nem macacos.

Tal como no ano anterior, os chamados "ratinhos" foram novamente os prediletos nas experiências de laboratório, representando quase 67 por cento (41.745) de todos os animais utilizados pelos cientistas e investigadores do país.

Seguiram-se os “outros peixes” (12.474), ratos (5.361), peixes-zebra (2.448), porcos (175), coelhos (55), “outros roedores” (37), ovelhas (18) e, por fim, os cefalópodes (moluscos marinhos), que foram oito.


O principal aumento em Portugal foi, segundo Bruxelas, no uso dos peixes: 23,95 por cento em 2018, quando no ano anterior tinham representado apenas 3,98 por cento do total de animais utilizados.

Segundo Bruxelas, esse aumento deve-se a mais estudos nas áreas da nutrição animal, digestão e doenças infeciosas no apoio à área da aquacultura e biologia animal.

Houve, ainda, uma outra grande diferença em Portugal: o número de animais reutilizados baixou. Em 2017, 1.509 animais dos animais foram usados mais do que uma vez em laboratório. No ano seguinte, porém, isso apenas aconteceu com 300.

De acordo com a legislação em vigor, os investigadores devem reutilizar ao máximo os animais destinados a testes em laboratório.
As razões para o aumento
O relatório da Comissão Europeia diz ainda ter havido, de 2017 para 2018, “um aumento evidente no uso de animais na pesquisa básica, na pesquisa translacional e aplicada e na manutenção de colónias de animais geneticamente alterados”.

Segundo o documento, mais de 64 por cento de todos os animais usados em laboratórios portugueses serviram para experiências nas áreas da oncologia, sistema nervoso, sistema respiratório, órgãos sensoriais, sistema endócrino e metabolismo humanos.

Um número mais pequeno foi usado nas áreas das doenças infeciosas, cardiovasculares e gastrointestinais.

Mas também na área do bem-estar animal foram realizadas experiências, nomeadamente nos campos do comportamento, biologia, nutrição ou infeção das mais diversas espécies.
Avanços em Portugal apenas alcançados graças a animais
Em Portugal, um dos casos em que o uso de animais se mostrou fundamental em 2018 aconteceu no Instituto Gulbenkian Ciência, onde investigadores deram novos passos no campo da resistência aos antibióticos - um desafio crescente no tratamento de doenças infeciosas em todo o mundo.

Já na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL), no ano anterior, cientistas criaram uma vacina que consegue prevenir o desenvolvimento do cancro da pele em ratinhos.

“Esta vacina não tem como alvo direto as células tumorais, utilizando em vez disso o sistema imunitário do corpo para destruir de forma seletiva as células cancerígenas”, explicou então a EARA. “Estes resultados são extremamente relevantes para os pacientes com cancro”.

No Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC), cientistas utilizaram ratos para descobrir uma terapia que poderá ajudar a reduzir os efeitos colaterais da diabetes tipo 2, permitindo que esta doença interfira menos com as atividades diárias dos pacientes.
Números da UE
Na União Europeia, o número total de animais utilizados fixou-se nos 8,92 milhões em 2018, uma redução relativamente ao ano anterior, quando foram usados quase 9,39 milhões.

À semelhança do verificado em Portugal, também na totalidade dos Estados-membros os ratinhos, ratos e peixes foram os mais escolhidos, representando cerca de 88 por cento. Já os cães, gatos e macacos formam apenas 0,3 por cento do total – um aumento em comparação com 2017, quando o valor foi de 0,25 por cento.


Segundo a Associação Europeia de Investigação Animal (EARA), os primatas têm um papel significativo em investigações sobre a SIDA e no desenvolvimento de tratamentos para o Parkinson ou Alzheimer, enquanto os cães estão a ser utilizados para descobrir tratamentos para doenças cardíacas e distrofia muscular de Duchenne, que ainda não tem cura e origina mortes precoces.

“Este ano [de 2021] vimos a contribuição vital que a investigação com animais teve durante a pandemia de covid-19”, frisou Kirk Leech, diretor-executivo da EARA.

Para o responsável, “num momento de crescente pressão por parte de ativistas sobre a Comissão Europeia para acabar imediatamente com as experiências em animais, estas estatísticas demonstram o compromisso do setor biomédico em ser aberto e transparente quanto ao importante trabalho que faz”.
Consequências para os animais

Segundo a EARA, “antes de os investigadores utilizarem um modelo animal, têm de provar que os métodos que não utilizam animais não permitiriam adquirir os conhecimentos necessários”.

Por essa razão, “a investigação com animais é estritamente regulada” por diretivas europeias e, para cada procedimento em animais – desde uma recolha de sangue a uma cirurgia – são necessárias licenças e aprovações por parte de entidades que avaliam a ética destes processos.

Para promover a transparência também nesse campo, a Comissão Europeia esclarece no seu relatório que, em 2018, cerca de 68 por cento das utilizações de animais foram consideradas “ligeiras”, 19 por cento “moderadas”, 10 por cento “severas” e três por cento “sem recuperação”.

Os casos designados “sem recuperação” são aqueles em que os animais foram submetidos a anestesias gerais das quais não recuperaram, segundo a DGAV (Direção-Geral de Alimentação e Veterinária).

Já os casos “ligeiros” referem-se a “procedimentos executados em animais e que são suscetíveis de lhes fazer sentir dor, sofrimento ou angústia ligeiros de curta duração, bem como os procedimentos sem danos significativos para o bem-estar ou o estado geral dos animais”.

Os casos “moderados” são “procedimentos executados em animais e que são suscetíveis de lhes fazer sentir dor, sofrimento ou angústia moderados de curta duração, ou dor, sofrimento ou angústia ligeiros de longa duração, bem como os procedimentos suscetíveis de causar danos moderados para o bem-estar ou estado geral dos animais”.

Já os “severos” podem causar “dor, sofrimento ou angústia severos, ou dor, sofrimento ou angústia moderados de longa duração”, sendo ainda “suscetíveis de causar danos severos para o bem-estar ou o estado geral dos animais”.
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