Galpgate. Perguntas e respostas para perceber a polémica

por Christopher Marques - RTP
Rafael Marchante - Reuters

Um ano depois, o Galpgate voltou. Três secretários de Estado abandonaram os cargos, antecipando a sua constituição como arguidos pelo Ministério Público. São suspeitos de “recebimento indevido de vantagem”, crime punido com até cinco anos de prisão. Em causa estão as viagens oferecidas pela Galp ao Euro 2016 há um ano.

Três secretários de Estado pediram no domingo a exoneração dos respetivos cargos. O primeiro-ministro aceitou os pedidos de saída, justificando que não podia negar-lhes esse direito.

Os três secretários de Estado são Rocha Andrade (Assuntos Fiscais), João Vasconcelos (Indústria) e Jorge Costa Oliveira (Internacionalização). Os agora ex-governantes explicaram que pediram a sua constituição como arguidos no inquérito relativo às viagens ao Euro 2016 pagas pela Galp para não prejudicar o Executivo.

A decisão dos secretários de Estado chega depois de três personalidades ligadas ao executivo terem sido constituídas arguidas no mesmo processo. Esta segunda-feira, o Ministério Público confirmou que Rocha Andrade, João Vasconcelos e Costa Oliveira também serão arguidos no processo.
O que é o Galpgate?
A polémica surgiu há cerca de um ano, depois de Portugal ter conquistado o Campeonato da Europa de Futebol, tornando-se conhecida como Galpgate. Três secretários de Estado tinham viajado até França para assistir a jogos da seleção, a convite da petrolífera Galp.

O caso de Fernando Rocha Andrade ganhava destaque. O governante com a tutela dos Assuntos Fiscais tinha aceitado o convite de uma empresa com a qual o Estado estava em conflito. Em causa, a contribuição extraordinária de 240 milhões de euros que a Galp se recusava a pagar. O secretário de Estado foi mesmo obrigado a passar a pasta da Galp.

Os governantes envolvidos ficaram de reembolsar as despesas à petrolífera. O Galpgate levou ainda o Governo a redigir um código de conduta para os membros do executivo, aprovado dois meses depois das viagens pagas pela petrolífera.

O documento estabelece um limite pecuniário máximo de 150 euros para ofertas, e estipula as exceções admissíveis, sem efeitos retroativos.
Quem são os governantes acusados?
Fernando Rocha Andrade, João Vasconcelos, Jorge Costa Oliveira. O primeiro será o mais conhecido dos portugueses. Com a pasta dos Assuntos Fiscais, apareceu frequentemente ao lado de Mário Centeno mas também a solo, nomeadamente na polémica das offshores e quando o assunto foi impostos.

O secretário de Estado marcava presença nas negociações sobre o próximo Orçamento do Estado, e assuntos como o aumento da progressividade do IRS e o Programa de Regularização das Dívidas ao Fisco e à Segurança Social. Deixa o Terreiro do Paço e volta para São Bento, onde assumirá as funções de deputado.

Apesar da saída do colega de Governo, o Secretário de Estado das Finanças mostrou-se esta segunda-feira convencido de que a máquina do ministério vai garantir a entrega do próximo orçamento do Estado dentro dos prazos.


Ao tutelar a Internacionalização, Jorge Costa Oliveira teve a cargo assuntos como o acordo com o Irão para a abolição de vistos para titulares de passaportes políticos. Jorge Costa Oliveira tentou ainda desbloquear o problema dos pagamentos de Angola às empresas portuguesas e assinou um acordo com o Irão para a abolição de vistos para titulares de passaportes políticos.

Este secretário de Estado foi o primeiro membro do Governo a deslocar-se a Angola, em julho de 2016, assumindo o objetivo de relançar as relações entre os dois Estados, anunciando também o lançamento de uma linha de crédito para regularizar os 160 milhões de euros de salários que há vários meses os trabalhadores portugueses em Angola não conseguiam repatriar.

Durante o seu mandato, coube-lhe também substituir Miguel Frasquilho na presidência da AICEP por Luís Filipe de Castro Henriques, nomeado pelo Governo.

João Vasconcelos era o secretário de Estado da Indústria. Não foi ele quem trouxe a WebSummit para Portugal, mas conseguiu que a cimeira da tecnologia e da inovação continue em Portugal até 2020.



Era o senhor Start up Lisboa, incubadora de empresas que criou em 2012, quando António Costa era o presidente da autarquia.

João Vasconcelos declarou esta segunda-feira que abandona o Governo com "absoluta confiança" nos projetos que liderou e nas equipas que nomeou, sublinhando "orgulho" por ter integrado um executivo "tão reformador quanto humano".

Para além dos três secretários de Estado, há três arguidos já constituídos: um chefe de gabinete, um ex-chefe de gabinete e um assessor governamental do Governo de António Costa.
De que são suspeitos?
Em nota de imprensa enviada esta segunda-feira às redações, a Procuradoria-Geral da República explica que estão em causa “factos suscetíveis de integrarem a prática de crimes de recebimento indevido de vantagem, previstos na Lei dos Crimes de Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos".

Esta lei especifica que este crime pode ser punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias. A mesma lei exclui convites que sejam "condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes", argumento utilizado pela Galp para se defender.

A investigação às viagens pagas pela Galp está a cargo do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.
Que mudanças no Governo?

Com a exoneração dos secretários de Estado, António Costa vê-se forçado a fazer a terceira alteração no Executivo. Ainda não se conhece quem serão os substitutos, sendo quase certo que estas não serão as únicas mudanças.

A RTP sabe que há outros secretários de Estado que pediram para deixar o Executivo, por motivos pessoais. No entanto, António Costa não deverá mexer nos ministros. Apesar de pressionados pelos casos de Tancos e Pedrógão Grande, Azeredo Lopes e Constança Urbano de Sousa deverão permanecer nos cargos respetivos.

Ainda não há data para a tomada de posse dos novos secretários de Estado. Fontes contactadas pela RTP avançam mesmo com a hipótese de a cerimónia só acontecer na próxima semana, depois de o Presidente da República regressar do México.
Como reagem os partidos?
Na reação, os partidos tendem a concordar com a saída dos governantes, apesar de apresentarem algumas dúvidas. O PSD estranha que as saídas aconteçam um ano depois do caso, pedindo ao Governo para explicar "o que é que se alterou" e "o que é que aconteceu".

"Se há razões de ordem política ou de ordem ética que fazem com que neste momento esta situação seja tão grave que se fala na demissão destes três secretários de Estado, e já há órgãos de comunicação a falar até na demissão de outros governantes, o PSD julga que o país tem o direito a saber porquê", sublinhou Carlos Abreu Amorim.

Em nome do CDS-PP, Assunção Cristas veio a público defender que a saída dos secretários de Estado “vem tarde”. “Parece que um ano depois está a dar-nos razão”, afirmou. O CDS aproveita o caso para insistir nos pedidos de demissão dos ministros da Defesa e da Administração Interna.

A coordenadora do Bloco de Esquerda considera que os governantes fizeram “o que tinham de fazer”, colocando agora o ónus do lado de António Costa. “O país aguarda que o primeiro-ministro diga de forma rápida como será o Governo a partir de agora e o que pretende fazer", afirmou Catarina Martins.

O PCP relativiza a saída dos três secretários de Estado, afirmando que "mais importante" do que as pessoas é o Governo mudar de políticas relativamente ao PSD/CDS.
O que diz a Galp?
A Galp ainda não foi constituída arguida, mas a RTP sabe que também fará parte desse lote. Por agora, a petrolífera insiste que esta é uma prática legal, considerando-as “práticas tradicionais seguidas por diversas empresas”. “Não tiveram outro objetivo que não fosse o apoio à Seleção Nacional", garante a empresa.

A petrolífera insiste que o pagamento de viagens, refeições e bilhetes para os jogos da seleção nacional "foi realizado em conformidade com a lei" e que a deslocação de "pessoas relacionadas com parceiros de negócio, com entidades institucionais e com dezenas de clientes, corporativos e individuais", decorreu "sem qualquer segredo ou tratamento diferenciado”.

A Galp adianta ainda que, desde o primeiro momento, tem mantido "uma leal colaboração" com as autoridades no âmbito deste processo e deu conta de terem sido já ouvidos "nos últimos meses, enquanto testemunhas, alguns" dos seus colaboradores.

No comunicado, a petrolífera afirma ainda que, caso seja constituída arguida, continuarão a ser prestados todos os esclarecimentos”.

c/ Lusa
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