Obstetrícia. Encerramento rotativo de urgências em Lisboa preocupa médicos

por RTP
Pedro A. Pina - RTP

O presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo garantiu esta quinta-feira que as grávidas não vão andar de ambulância entre hospitais durante o verão. De acordo com a edição de hoje do jornal Público, as urgências de obstetrícia de quatro dos maiores hospitais de Lisboa vão fechar de forma rotativa devido à falta de especialistas. Os médicos alertam para uma situação dramática que pode ter “consequências imprevisíveis”.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), Luís Pisco, garantiu que “não vai haver grávidas de ambulância de hospitais para hospitais na região de Lisboa”.

O responsável refere que o hospital que estiver fechado de forma rotativa “vai continuar a dar resposta à sua atividade programada”.   

“As senhoras vão continuar a ter lá os seus bebés em segurança e mesmo se houvesse uma urgência de uma pessoa que não viesse pelo CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) ou pelo INEM, teria a sua criança”, assegura o responsável.

De acordo com a edição desta quinta-feira do jornal Público, as urgências de obstetrícia de quatro dos maiores hospitais de Lisboa encerrariam de forma rotativa por falta de especialistas.  

Em causa estariam as urgências da Maternidade Alfredo da Costa, Hospital Santa Maria, Hospital São Francisco Xavier e ainda o Hospital Amadora-Sintra, que encerrariam num esquema de rotatividade a partir da última semana de julho até ao final de setembro.  



Luís Pisco, presidente da ARSLVT, refere que o organismo está a reunir com os quatro hospitais referidos para “concertar estratégias” de forma a “otimizar o serviço a prestar aos cidadãos”, tendo em conta a informação fornecida por “conselhos de administração”, “diretores de serviço de pediatria e neonatologia”.  

"É um trabalho que está a decorrer. Trata-se de uma situação complexa que envolve muitas pessoas, muitas equipas. Não é uma solução finalizada, ainda estamos a trabalhar nela, sendo que as reuniões vão continuar na próxima semana", explicou o responsável nas declarações à agência Lusa.  

Luís Pisco admite que existem durante o verão as “dificuldades de acertar escalas aumentam”, nomeadamente por causa das férias, mas que se está a tentar encontrar a melhor solução para prestar “o melhor serviço possível”, até porque estes hospitais de Lisboa “não respondem só à região de Lisboa e Vale do Tejo mas também às situações mais graves de Alentejo e Algarve", aponta.

Segundo o jornal Público, foi a ARSLVT que propôs aos diretores de serviço dos quatro hospitais para que fosse feita uma “escala”, para que o encerramento de urgências não ocorresse em simultâneo.  

A proposta, apresentada pela ARSLVT numa reunião que se realizou quarta-feira, prevê que as semanas sejam divididas em blocos. Cada hospital fecharia à vez, ficando os outros três abertos. 
“Alerta vermelho” da Ordem
Num comunicado enviado na quinta-feira às redações, o Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos critica o que classifica como “uma clara demonstração do autismo do governo sobre este tema” e decidiu convocar uma reunião urgente sobre este tema, no próximo dia 25 de junho, com “os diretores clínicos, diretores de obstetrícia e de unidades neonatais da região sul”.  

“A crescente falta de obstetras, anestesiologistas e pediatras tem vindo a agravar-se sem qualquer medida por parte do Governo e das ARS, apesar dos vários avisos feitos pelos médicos e pela Ordem dos Médicos. Os contratos prometidos não ocorreram e o mapa de vagas recentemente aberto não contempla a solução destes problemas”, referem os médicos.   

O Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos destaca que os problemas registados no Alentejo e Algarve “vêm aumentar de forma alarmante as deficiências já existentes na ARSLVT e criar um alerta vermelho na situação de prestação de cuidados de saúde na área da obstetrícia e de neonatologia em toda a região sul do país”.

“Qualquer modalidade de encerramento (…) mesmo em rotatividade, pode acarretar riscos inaceitáveis para a qualidade da rede obstétrica e neonatal do sul do país”, alertam. 
“Segurança clínica diminui”

Em declarações à RTP3, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, afirmou esta quinta-feira que a situação é “dramática e complexa” em algumas maternidades do país.  

O responsável alerta que a solução apresentada para colmatar a falta de especialistas durante o verão “diminui” a segurança clínica dos procedimentos e pode trazer “consequências imprevisíveis”. 

“A probabilidade de existirem complicações graves aumenta. De resto, a própria taxa de cesarianas vai tender a aumentar numa circunstância destas. Muitas vezes os médicos, porque têm várias grávidas ao mesmo tempo em trabalho de parto, podem ter de optar por fazer cesarianas”, alerta.

Para o bastonário, a proposta da ARSLVT mostra que o trabalho na área da saúde está a ser feito “em cima do joelho”, em que não existe organização nem planeamento e lembra também que os quatro hospitais incluídos nesta medida têm características e oferecem serviços diferentes. “A solução é contratar as pessoas que são necessárias no Serviço Nacional de Saúde. A política de contratação pública na área da saúde falhou”, refere.

“As grávidas não escolhem quando vão ter a criança ou quando têm problemas. E isso acontece durante todo o ano, não é no verão que acontece menos. (…) As pessoas que estão em determinada semana de gravidez nem sequer viajam para fora. Não há uma propriamente uma diminuição nos meses de verão. O número de grávidas, de atendimentos no serviço de urgência, de necessidade de intervenção em termos de partos ou cesarianas, o número de grávidas que têm de ser vigiadas em internamento mantém-se”, alerta Miguel Guimarães. 

Sobre a questão da contratação, o bastonário considera que o Governo deve ter capacidade para resolver esta situação. “O Ministério da Saúde já admitiu que precisa de mais dinheiro. Nós não podemos estar sempre condicionados pelos objetivos do ministro das Finanças”, aponta. 

Roque da Cunha, do Sindicato Independente dos Médicos diz que os problemas nesta área têm sido ignorados. “Todos os dias, todas as semanas, são acionados planos de contingência”, com a situação mais problemática sobretudo em Lisboa e no sul do país, refere.


O responsável considera que houve “precipitação” na elaboração desta proposta “tapa buracos”, uma vez que ela pode criar maior desorganização. 

“Sendo uma medida casuística, causa confusão na cabeça das pessoas. Limita a acessibilidade nos cuidados mais diferenciados e cria condições para os médicos irem para o privado mais facilmente. Muito dificilmente, os recém-especialistas, por exemplo, ficam no Serviço Nacional de Saúde”, alerta.
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