Oliveira Martins quer urgência no ataque à corrupção

por RTP
O empresário Manuel Godinho é para já o único arguido do processo Face Oculta a quem foi aplicada prisão preventiva Paulo Novais, Lusa

Os desenvolvimentos do processo que investiga indícios de crimes económicos com o alegado envolvimento de quadros de empresas de capitais públicos trazem a lume a "necessidade absoluta" de implementar "planos de prevenção da corrupção", defendeu esta quarta-feira Guilherme d'Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas e do Conselho de Prevenção da Corrupção.

O número de empresas com capitais públicos citadas na operação desencadeada há uma semana pela Polícia Judiciária impõe a instituição de "regras claras" nas entidades participadas pelo Estado. Isto porque hoje se afigura "extraordinariamente difícil" definir as fronteiras da corrupção. A avaliação comporta a assinatura do presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção.

O caso Face Oculta, considera Guilherme d'Oliveira Martins, "levanta a questão da necessidade absoluta de se criarem planos de prevenção da corrupção nas empresas públicas". Uma tal tarefa constitui "uma urgência em nome da confiança e da credibilidade do sistema".

Oliveira Martins, que falava à margem de uma conferência na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, evitou, por outro lado, pronunciar-se sobre a oportunidade de o Estado abdicar de intervenções em entidades empresariais privadas, escudando-se no argumento de que essa é uma escolha de cariz político. Ainda assim sustentou ser "indispensável garantir, antes de mais, que o controlo do interesse público seja salvaguardado".

Suspensão do mandato de Vara precipita reacções

Na terça-feira, Armando Vara, um dos arguidos do processo Face Oculta, pediu a suspensão com efeitos imediatos do seu mandato como vice-presidente do Millennium BCP. Horas antes, o presidente da instituição, Carlos Santos Ferreira, reconhecera que as notícias sobre o alegado envolvimento do antigo governante socialista no esquema "tentacular" de corrupção imputado ao empresário de Ovar Manuel Godinho estavam a acarretar prejuízos para a imagem do banco.

Conhecida a notícia do afastamento de Vara, o governador do Banco de Portugal veio a público para sublinhar a importância do pedido de suspensão do mandato, que abarca os cargos de presidente do Millennium Angola e de vice-presidente do Banco Internacional de Moçambique. O sector, frisava Vítor Constâncio na noite de terça-feira, "precisa de exemplos".

O presidente da Caixa Geral de Depósitos afina pelo mesmo diapasão. Para Faria de Oliveira, a saída de Vara é "um bom exemplo a ter em conta" e "um gesto que dignifica" o arguido. Mas recusou alargar-se em comentários: "Não quero fazer declarações sobre uma matéria que está no seu início. Todas as pessoas têm direito à presunção de inocência até se provar o contrário".

DIAP de Aveiro recomeça a ouvir arguidos

O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Aveiro retoma na quinta-feira as audições de arguidos e testemunhas do processo. Armando Vara é interrogado na próxima segunda-feira. O presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN), José Penedos, é ouvido na condição de arguido no dia 17 de Novembro.

A operação Face Oculta envolveu 30 buscas domiciliárias e em locais de trabalho dispersos por diferentes pontos do país. As diligências da polícia de investigação criminal partiram de indícios de crimes económicos alegadamente praticados pelo grupo que integra a empresa O2 - Tratamento e Limpezas Ambientais. É a esta entidade que está ligado o empresário Manuel Godinho, o único arguido do processo em prisão preventiva.

O conjunto de 15 arguidos inclui Armando Vara, antigo secretário de Estado da Administração Interna no Governo socialista de António Guterres, o presidente da REN, José Penedos, e o seu filho Paulo Penedos, que trabalha como advogado da SCI - Sociedade Comercial e Industrial de Metalomecânica S.A., empresa detida por Manuel Godinho.

No mandado judicial a que a RTP teve acesso, são referidos vários contactos entre o empresário do Norte e quadros de empresas de capitais públicos no centro da investigação. Manuel Godinho é citado como o alegado mentor de uma rede que teria por objectivo beneficiar um grupo de empresas na adjudicação de concursos e consultas públicas para a recolha e a gestão de resíduos industriais. O esquema visaria garantir negócios com as principais empresas participadas pelo Estado através do pagamento de luvas ou até mesmo da oferta de bens de elevado valor. São exemplos dois automóveis de alta cilindrada apreendidos pela Polícia Judiciária de Aveiro e que Manuel Godinho terá confiado a dois quadros de empresas em que o Estado é accionista único.

Inquéritos internos em curso

As empresas participadas pelo Estado procuram agora apurar eventuais ligações com o esquema montado por Manuel Godinho. Há investigações internas a decorrer nas empresas Estradas de Portugal, EDP, Petrogal e na holding da indústria de defesa EMPORDEF, que está à procura de eventuais irregularidades nos processos tutelados pelo administrador da Indústria de Desmilitarização da Defesa (IDD) José António Contradanças, antigo dirigente socialista e administrador do Porto de Sines quando Jorge Coelho era ministro do Equipamento Social.

O presidente da Estradas de Portugal garantiu esta quarta-feira que "as primeiras conclusões" do inquérito interno a decorrer na empresa vão ser conhecidas "brevemente".

"Já mandei proceder a um inquérito a todas as relações entre a O2 e a Estradas de Portugal. Já está em curso e terei as primeiras conclusões brevemente. Para sermos rigorosos, até ao momento, daquilo que conheço, trata-se de apenas um trabalhador de Viseu e a EP soube a posteriori, pela comunicação social, mas actuámos de imediato", adiantou Almerindo Marques.

Em declarações à agência Lusa, uma fonte oficial da Parpública - holding que detém, através da Capitalpor Participações Portuguesas SGPS S.A., a maioria do capital da Rede Eléctrica Nacional - afirmou que a empresa "enquanto accionista está a acompanhar a situação". Contudo, "não tem qualquer comentário a fazer sobre esta questão, visto que o processo está em fase de investigação e ainda não está concluído".

Também a GNR está a tentar perceber os contornos do eventual envolvimento de dois dos seus operacionais, tendo solicitado informações à Procuradoria-Geral da República. O mandado de busca descreve pagamentos a dois soldados da GNR, um dos quais sob a forma de uma palete de cimento.

AEP e AIP querem rapidez para poupar imagem de empresários

Os presidentes da Associação Empresarial de Portugal (AEP) e da Associação Industrial de Portugal (AIP) consideram, por sua vez, que o processo Face Oculta impõe que a Justiça seja "mais rápida", de forma a preservar "milhares" de empresários "honestos".

"A Justiça tem que ser mais rápida, porque as suspeições não se podem arrastar no tempo", defendeu o presidente da AEP à margem de uma conferência de imprensa, no Porto, sobre a criação da Confederação Empresarial de Portugal. José António Barros disse mesmo que "ser eticamente correcto não tem a ver com o estatuto de empresário, mas com o de pessoa humana".

Rocha de Matos, o presidente da AIP, subscreve a perspectiva: "Se houver um juiz que condene, fez-se justiça. Até lá, cada um deve actuar segundo os seus próprios valores. Por cada empresário que é menos correcto, há milhares de outros que são honestos".

"Há sempre alguém que destoa, mas achamos que isto não deve existir, porque vai adulterar a são concorrência entre empresas", concluiu.

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