Sócrates vai a julgamento por crimes de branqueamento de capitais

por RTP
Reuters

Seis anos após a detenção no aeroporto de Lisboa, o ex-primeiro-ministro José Sócrates e restantes arguidos da Operação Marquês ouviram esta tarde a decisão do juiz Ivo Rosa relativamente aos arguidos e aos crimes em julgamento. O ex-primeiro-ministro viu caírem quase todas as acusações, nomeadamente três crimes de corrupção passiva e o crime de fraude fiscal. Ainda assim, Sócrates irá a julgamento por seis crimes: três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documento. O Ministério Público já anunciou que vai recorrer da decisão instrutória.

Durante mais de três horas, o juiz Ivo Rosa leu um volumoso conjunto de páginas com a súmula da decisão instrutória de um dos mais mediáticos processos em Portugal nos últimos anos.

No final, a decisão: José Sócrates e Carlos Santos Silva serão julgados por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos. Ricardo Salgado será julgado por três crimes de abuso de confiança e Armando Vara por um crime de branqueamento de capitais. João Perna será julgado por crime de posse de arma proibida. Vários arguidos não foram pronunciados pela totalidade dos crimes.

Ainda assim, este dia de leitura da decisão instrutória ficou fortemente marcado pela desconstrução da acusação e as duras críticas do juiz Ivo Rosa às formulações produzidas pelos procuradores do Ministério Público.



"Especulação", "fantasia" ou acusação "criativa" foram alguns dos adjetivos utilizados pelo juiz, que considerou em alguns pontos que a acusação demonstrara "pouco rigor", falta de "consistência" ou de "coerência". No geral, o magistrado argumentou que a acusação carecia de solidez, pelo que deixou cair vários crimes de que os arguidos vinham acusados.

Entretanto, o procurador do Ministério Público, Rosário Teixeira, anunciou logo após a sessão que vai recorrer da decisão instrutória, tendo pedido uma extensão do prazo para 120 dias para poder avançar com o recurso.

No arranque da sessão, no Campus de Justiça, em Lisboa, o juiz Ivo Rosa deu garantias de que a decisão instrutória seria "correta, independente, imparcial" e ainda que não seria nunca "a favor nem contra ninguém".

"Esta é uma decisão correta, independente, imparcial. Não é a favor nem contra ninguém. Obedece à lei. A pressão pública não pode colocar em causa os princípios fundamentais e as garantias dos arguidos", afirmou Ivo Rosa.

O juiz sublinhou que nesta fase "não há gosto pessoal em relação à prova indireta indiciária" e deixou ainda uma nota relativamente às "constantes violações do segredo de justiça", destacando a volumetria e complexidade do processo para justificar o tempo que demorou - quase dois anos - a divulgar a decisão que leva mais de 6.600 páginas.
Quem vai a julgamento?

Apesar do tom crítico e de terem caído todos os crimes de corrupção, algumas acusações mantêm-se. O ex-primeiro-ministro e o amigo e empresário Carlos Santos Silva serão levados a julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e ainda por três crimes de falsificação de documentos. Ivo Rosa considerou que dinheiro entregue em numerário por Carlos Santos Silva ao ex-governante "levanta dúvidas".

Em causa, estão verbas de 1,72 milhões de euros entregues pelo empresário e alegado testa-de-ferro a Sócrates, que, segundo a decisão instrutória, não configuram o crime de corrupção, por estar prescrito, mas implicam três crimes de branqueamento de capitais.

Por sua vez, o ex-presidente do Grupo Espírito Santo, Ricardo Salgado, irá a julgamento por três crimes de confiança. A decisão instrutória ilibou Salgado dos restantes crimes que lhe eram imputados.

Também o ex-ministro Armando Vara vai ser julgado por branquamento de capitais, tendo no entanto sido ilibado dos crimes dos restantes crimes: um de corrupção passiva de titular de cargo político, um de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.

Os antigos líderes da PT, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, saíram ilibados de todos os crimes de que estavam acusados.
Caem os crimes de corrupção passiva
O juiz Ivo Rosa deixou cair três das principais acusações que recaiam contra José Sócrates. O antigo primeiro-ministro foi ilibado do crime de corrupção passiva na acusação de favorecimento do grupo Lena. Na decisão do juiz Ivo Rosa, foram também aqui ilibados Joaquim Barroca (ex-administrador do Grupo) e o empresário Carlos Santos Silva, alegado testa-de-ferro de Sócrates.

Segundo a decisão instrutória, o crime de corrupção passiva de titular de cargo político em coautoria com Santos Silva e Grupo Lena estava prescrito. Concluiu ainda que o grupo Lena não foi favorecido por José Sócrates.

Para além disso, o juiz Ivo Rosa declarou não ter encontrado ilegalidades praticadas pelo ex-primeiro-ministro no concurso da linha ferroviária de alta velocidade Poceirão/Caia (TGV), o mesmo aplicando-se a uma sua alegada intervenção no caso Parque Escolar.

Para Ivo Rosa não ficou provado que Sócrates tivesse tido qualquer intervenção junto dos ministros das Obras Públicas e das Finanças ou do júri do concurso para adjudicação dessa empreitada.

O juíz Ivo Rosa decidiu ainda não pronunciar José Sócrates por crimes de fraude fiscal.
Migração das escutas do Face Oculta considerada nula

Relativamente às escutas recuperadas do processo Face Oculta para a Operação Marquês, Ivo Rosa considerou que eram nulas por não terem obedecido à "tramitação legal".

"É uma nulidade insanável", disse o juiz, justificando que essas escutas não servem de prova porque foi a Relação do Porto a validar a migração, não tendo a decisão passado por um juiz de instrução competente.

O processo Face Oculta, relacionado com uma alegada rede de corrupção que teve como objetivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho nos negócios com o Estado e privadas tinha como arguido Armando Vara, então apanhado em escutas com José Sócrates, tendo sido julgado no Tribunal de Aveiro.
Entrega do processo a Carlos Alexandre na PGR

Outra das informações relevantes a sair da fase de instrução foi a decisão do juiz Ivo Rosa de extrair uma certidão para a Procuradoria-Geral da República no sentido de averiguar como foi o processo de atribuição da Operação Marquês ao juiz Carlos Alexandre.

De acordo com Ivo Rosa, poderá estar em causa uma eventual violação do princípio do juiz natural ou juiz legal. A decisão foi tomada no âmbito de uma contestação apresentada pelos advogados de José Sócrates e Armando Vara, tendo contestado a distribuição eletrónica, e não manual, do processo, em setembro de 2014.

O juiz considerou também como "nulidade insanável" os dados obtidos no inquérito por Carlos Alexandre pedida ao Banco de Portugal sobre a regularização de dívidas ou capital.
Sócrates acusado desde 2017
Desde 2017 que o ex-primeiro ministro está acusado na Operação Marquês: eram no total 31 crimes, desde corrupção passiva, branqueamento de capitais e falsificação de documentos a fraude fiscal.

O processo contém os nomes de 28 arguidos e está em andamento há cerca de sete anos. Além de Sócrates, são reconhecidas outras figuras públicas: o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, o antigo ministro socialista e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos Armando Vara, os ex-líderes da PT Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, o empresário Helder Bataglia e Carlos Santos Silva, alegado testa-de-ferro do ex-primeiro-ministro e seu amigo de longa data.

Em causa estão 189 crimes económico-financeiros. A fase de instrução começou em 28 de janeiro de 2019, sob a direção do juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, que hoje deu a conhecer a sua decisão no Campus da Justiça, em Lisboa, sendo esta passível de recurso.
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