Cavaco ao ataque. "Primeiro-ministro perdeu a autoridade" e Governo "é um vazio" ideológico

por Carlos Santos Neves - RTP
Cavaco Silva sustentou que o “primeiro-ministro que perdeu a autoridade e não desempenha as competências que a Constituição lhe atribui” André Kosters - Lusa

Aníbal Cavaco Silva regressou este sábado à arena político-partidária para assestar baterias ao Governo de António Costa. No discurso que fez cair o pano sobre o 3.º Encontro Nacional dos Autarcas Social-Democratas, o antigo presidente da República procurou arrasar o currículo da governação socialista, que avaliou como estando “à deriva” em matéria de políticas sociais, económicas e fiscais. Dirigiu mesmo uma das passagens mais duras ao primeiro-ministro, a quem diagnosticou uma perda de autoridade.

“Este Governo mente” e o PS governa o país “aos solavancos”. Estas foram duas das munições que Cavaco Silva levou para o evento partidário com os autarcas do PSD. Isto já depois de Luís Montenegro ter procurado promover o partido como uma força pronta para ser “protagonista de mudança”.Cavaco não poupou nas farpas arremessadas ao Executivo socialista.

“O doutor Luís Montenegro tem identificado bem o adversário político do PSD. É o PS e o seu Governo. Foi o PS e o seu Governo que colocaram o país na trajetória de empobrecimento e de profunda degradação da situação política nacional”, vincou.

“É no Governo socialista que o PSD deve centrar a sua atenção. Não deve dispersar energia com outros partidos, nem responder às provocações que deles possam vir, assim como de alguns analistas políticos. O PSD é inequivocamente a única alternativa política ao poder socialista”, prosseguiu o antigo chefe de Estado.

Para assinalar: “A situação de salários baixos e de pensões de reforma que não permitem uma vida digna, o empobrecimento da classe média, a má qualidade dos serviços públicos, como a educação, a saúde e a justiça, são o resultado das políticas erradas do Governo, da sua desarticulação e desnorte, da falta de rumo e da falta de visão estratégica”.

São o resultado de um primeiro-ministro que perdeu a autoridade e não desempenha as competências que a Constituição lhe atribui: dirigir o funcionamento do Governo e a política geral do Executivo e coordenar e orientar todos os ministros. São competências que os analistas políticos parecem ter esquecido”.

O PSD e a liderança de Montenegro, sustentou Cavaco, “têm vindo e bem a denunciar os erros, os abusos de poder, as omissões, as mentiras e a violação de ética política por parte do Governo e a sua falta de sentido de Estado. Ao mesmo, o PSD tem vindo a apresentar alternativas à política do Governo e a defender causas que permitem inverter o declínio económico e social em que o país se encontra e melhorar as condições de vida dos portugueses”.
“Seriamente preocupado”
Na abertura do discurso, Cavaco declarou-se desde logo “seriamente preocupado com as consequências para o país da governação do Partido Socialista, muito especialmente para o futuro dos mais jovens”.
“O PSD conta com a força dos seus autarcas e com a sua capacidade de ouvir e de falar às populações. Conta com os autarcas para defenderem as suas políticas alternativas à governação socialista. Ao fazê-lo, estão a contribuir para um futuro melhor para os seus munícipes”, exortaria adiante.

“A liderança do PSD, que ainda não completou um ano, já apresentou programas bem estruturados no domínios da emergência social, do Orçamento do Estado, da educação e da habitação, programas de muito melhor qualidade do que as políticas do Governo nessas áreas”, continuou.

“As medidas de política apresentadas pelo Governo têm-se caracterizado pela falta de qualidade. Tal ficou bem claro com o pacote Mais Habitação, em que o Governo, depois de corroer o clima de confiança dos investidores, enveredou por um forte ataque à autonomia dos municípios”.
“PSD não deve ir a reboque”
Numa mensagem para a ponte de comando laranja, o antigo primeiro-ministro e presidente da República propugnou que “o programa eleitoral do PSD só deve ser apresentado na proximidade do ato eleitoral, como é normal, de modo a ter em devida conta os desenvolvimentos recentes na cena nacional e internacional”.

“Creio, aliás, que o PSD não deve ir a reboque de moções de censura de outros partidos, mais preocupados em ser notícia na comunicação social. É certo que a governação socialista tem sido desastrosa. Mas importa ter presente que o atual só há poucos dias completou um ano em efetividade de funções e goza de apoio maioritário na Assembleia da República. Essas moções de censura servem os interesses do Governo socialista, desviam atenções dos casos reprováveis”, advogou na sua intervenção, a espaços muito aplaudida pelos autarcas e demais dirigentes reunidos em Lisboa.

“Fundamental é sim resgatar o debate político em Portugal, porque ele é importante em democracia, importa conferir-lhe seriedade, substância, urbanidade e respeito pelos adversários. Os partidos políticos não devem ser inimigos uns dos outros, são sim adversários que devem ser respeitados”.
A reabilitação de Passos e as acusações à esquerda
Num dos momentos mais aplaudidos, Aníbal Cavaco Silva manifestou a expectativa de que a democracia “não volte a registar atitudes semelhantes aos ataques vergonhosos movidos pelo PS ao doutor Pedro Passos Coelho, que como primeiro-ministro revelou grande responsabilidade e sentido de Estado, tendo retirado Portugal da bancarrota a que o governo socialista conduziu o país”.

“O PSD não deve cometer o erro de anunciar qualquer política de pré-coligações tendo em vista as próximas eleições legislativas. Se o PS, que está em queda, não o faz, porque é que o PSD, que está a subir, deve fazê-lo?”, insistiria. Para se referir ao PSD como única alternativa para “libertar” o país de “uma oligarquia se sente dona do Estado”.“Falta convencer oito a nove por cento de eleitores para o PSD obter o mesmo resultado que o PS obteve nas últimas eleições”, assinalou o antigo presidente da República.

“É totalmente falso que haja ambiguidade no PSD quanto à orientação do seu futuro governo. O Partido Socialista, esse sim, é que precisa de esclarecer o manto de ambiguidades em que está escondido”, carregou Cavaco.

“Foi este Partido Socialista que se afastou da tradição do partido, desde o tempo da liderança de Mário Soares, ao aliar-se aos partidos antieuropeístas, anti-NATO, ambíguos na condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia e que apoiam países onde impera a ditadura, a miséria e a violação dos mais elementares Direitos Humanos”.

“Foram esses partidos e não outros que, juntamente com o PS, contribuíram para o empobrecimento do país e os seus salários baixos. Porque não perguntam ao PS que esclareça as suas ambiguidades? A ideologia que orienta a ação do Governo socialista resume-se a uma dúzia de palavras: permanecer no poder e controlar o aparelho do Estado sem olhar a meios”, atirou.

“Em matéria de ideologia, o Governo é um vazio. A palavra socialista é apenas um slogan. Na palavra pública e nas atitudes dos membros do Governo escasseia a competência, mas abundam a hipocrisia e o populismo”.
“Devemos perguntar aos portugueses se acham normal”
Já perto do termo do discurso, Cavaco arrancou risos entre o público social-democrata, ao afirmar que, “em princípio, a atual legislatura termina em 2026, mas às vezes os primeiros-ministros, em resultado de uma reflexão sobre a situação do país ou de um rebate de consciência, decidem apresentar a sua demissão e têm lugar eleições antecipadas. Foi isso que aconteceu em março de 2011”.

“Nunca imaginei que a incompetência do Governo socialista atingisse uma tal dimensão”, acentuaria, apontando em seguida a produtividade inferior à média europeia e o que descreveu como um empobrecimento generalizado: “Qual a resposta do Governo a esta situação? Habituem-se”.

Devemos perguntar aos portugueses se acham normal e se é benéfico para o país que um governo dotado de uma maioria absoluta e que acaba de completar apenas um ano sobre a submissão do seu programa ao Parlamento já tenha sido forçado a substituir 13 dos seus membros, vários deles por violações graves de ética política. Onde está a governabilidade que a maioria absoluta é suposta assegurar?”, perguntou.
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