Merkel de saída da liderança da CDU. Quem se segue?

por Andreia Martins - RTP
O novo líder da CDU será eleito no congresso que decorre em Hamburgo entre 7 e 8 de outubro Kai Pfaffenbach - Reuters

Pela primeira vez em quase duas décadas, a União Democrata-Cristã da Alemanha escolhe um novo líder. Angela Merkel comandou o partido durante 18 anos, dos quais 13 simultaneamente como chanceler. O congresso da CDU começa esta sexta-feira e decorre até sábado em Hamburgo.

É o início do fim de uma era para a política alemã. Angela Merkel anunciou no final de outubro último que não se iria recandidatar à liderança da União Democrata-Cristã, na sequência dos resultados eleitorais negativos em Hesse e na Baviera.  

Pela primeira vez desde 10 de abril de 2000, a CDU renova a liderança e elege um novo presidente do partido entre um total de 12 candidatos que se disponibilizaram para concorrer. A votação decorre esta sexta-feira e será feita por um total de 1001 delegados.
  Desde a II Guerra Mundial que o líder dos democratas-cristãos é quase sempre, em simultâneo, o líder da república germânica. De tal forma que o congresso é apelidado jocosamente de “sociedade para a eleição do chanceler”.
Entre os vários candidatos, três nomes se destacam: Annegret Kramp-Karrenbauer (ou AKK), secretária-geral da CDU desde fevereiro, tão próxima da chanceler alemã que é conhecida nos corredores da política alemã por “mini-Merkel”, Friedrich Merz, antigo rival da atual líder do partido, afastado em 2002 da liderança parlamentar da CDU pela própria Angela Merkel – mas que é agora apoiado por Wolfgang Schäuble, antigo ministro das Finanças e atual presidente do Bundestag - e ainda Jens Spahn, que é ministro da Saúde no Governo de Angela Merkel. 

Os dois primeiros candidatos, com perceções completamente opostas quanto ao legado da atual chanceler e líder do partido, são os grandes favoritos à vitória segundo as últimas sondagens. Nesta nova encruzilhada de poder, a CDU terá de escolher entre a mudança e a continuidade do trabalho de Angela Merkel, que ocupa o cargo de chanceler federal desde 2005.

Para já, Angela Merkel sai apenas da liderança do partido e mantém-se na chefia do Governo. No entanto, o líder que sairá eleito deste congresso no sábado terá grandes possibilidades de vir a ser o próximo chanceler da Alemanha pelo menos a partir de 2021, uma vez que os democratas-cristãos têm conseguido assegurar o poder nos últimos anos.  

Mas a escolha de direção pelo partido não poderá ser alheia ao cenário político germânico, com os partidos tradicionais em queda livre – nomeadamente a hecatombe dos socialistas do SPD (Partido Social-Democrata) nas últimas eleições federais – e a estrondosa ascensão da extrema-direita, com a entrada de rompante da Alternativa para a Alemanha (AfD) não só no Bundestag, onde é desde o ano passado o principal partido de oposição ao Governo federal, mas também em vários parlamentos regionais do país.  
Três anos difíceis para Merkel?

"Não me vou recandidatar à presidência da CDU no próximo congresso do partido em dezembro. (...) E este quarto mandato será o último como chanceler alemã. Nas eleições de 2021 não serei candidata a chanceler, nem candidata ao Bundestag, (...) nem a qualquer cargo político", anunciou Angela Merkel a 29 de outubro, durante a conferência de imprensa no rescaldo das eleições regionais de Hesse. 

Na altura, a chanceler reconheceu que o Governo federal “perdeu credibilidade” com as eleições locais e que seria necessário iniciar “um novo capítulo” na vida do partido.

Não foi uma saída completamente expectável até porque, no passado, Angela Merkel defendeu em várias ocasiões que a direção do partido e o cargo de presidente federal deveriam estar entregues à mesma pessoa, tendo sido sempre candidata ao longo dos últimos 17 anos.  

Mas esta convicção política não resistiu às quebras nos resultados eleitorais. E ainda que, para já, tenha apenas renunciado a uma candidatura partidária, a sua continuidade no Governo até 2021 poderá estar em causa, dependendo do que resultar deste congresso.  

Se a vencedora for Annegret Kramp-Karrenbauer, ou AKK, como também é conhecida, será de esperar que Angela Merkel se mantenha no poder até às próximas eleições federais de 2021. AKK foi apontada pela chanceler como secretária-geral da CDU ainda este ano e é a escolha óbvia de Merkel para a sua sucessão e continuidade do seu projeto político, ainda que não tenha declarado apoio a nenhum dos candidatos.  

No entanto, mesmo neste cenário, a política alemã viverá pelo menos com algum grau de incerteza. Isto porque Merkel ficará sempre dependente da estabilidade da coligação com os sociais-democratas.

Andrea Nahles, líder do SPD, poderá ser pressionada por fações dentro do partido ou entrar em confronto com a nova liderança da CDU. Sem o SPD, os democratas-cristãos ficariam reduzidos a um instável governo minoritário.  

Porém, o maior dos pesadelos para Angela Merkel seria a eleição de Friedrich Merz, que certamente não esqueceu quem o afastou do cargo de líder parlamentar da CDU em 2002. No caso de vitória de Jens Spahn, atual ministro da Saúde, a sobrevivência política nestes três anos que restam da legislatura continuaria a ser potencialmente difícil para a chanceler.  

É que tanto Merz como Spahn integram a ala mais conservadora do partido, que culpa Angela Merkel pelos recentes resultados negativos do partido e a ascensão da extrema-direita.  

“Uma vitória de Merz seria a rejeição da agenda centrista de Merkel e poderia potencialmente levar a uma moção de censura contra a chanceler”, sublinha a edição europeia do Politico
“Líder da Europa”

Em confronto com a atual chanceler pelas políticas adotadas, o grupo de oposição no seio da própria CDU cresceu depois do verão de 2015, quando Angela Merkel decidiu abrir as portas da Alemanha a mais de um milhão de requerentes de asilo, naquele que foi o momento mais delicado da recente crise de refugiados na Europa.  

Em julho, por exemplo, uma crise interna sobre questões migratórias com o ministro do Interior, Horst Seehofer, lançou o caos sem precedentes na velha aliança entre a CDU e a CSU, o partido irmão na região da Baviera.

Muitas vozes dentro do partido têm apontando essa decisão de há três anos como o fator determinante que conduziu ao crescimento da Alternativa para a Alemanha (AfD). Nas eleições de 2017, um partido de extrema-direita e anti-imigração entrou no Parlamento alemão pela primeira vez desde os anos 60, e logo com 92 deputados.  

Agora, o modo como se processará a saída de cena de Merkel, a nível partidário e nacional, irá depender do resultado deste congresso em Hamburgo e dos desenvolvimentos políticos nos próximos meses. Certo é que a Alemanha – e também a Europa - terá de começar a acostumar-se a um panorama político sem a líder que o moldou durante tantos anos.   

Se é vista por muitos como a “guardiã da ordem liberal” do Ocidente perante a ascensão dos populismos e da extrema-direita – a decisão de abrir as fronteiras da Alemanha aos migrantes e refugiados é amplamente citada como a decisão mais relevante de toda a sua carreira política – já antes disso tinha sido uma voz decisiva a nível europeu.  

Basta recordar a profunda crise que a Europa atravessou nos últimos dez anos e o papel de liderança exercido por Angela Merkel durante as crises da dívida soberana, que vergaram a economia de várias nações europeias, incluindo a de Portugal, mas sobretudo a da Grécia. Não obstante o forte crescimento da economia germânica, a austeridade e pressão exercidas sobre países endividados serão indissociáveis ao seu legado.  

“Merkel foi chanceler da Alemanha e líder da Europa. Merkel guiou o seu país e o continente durante crises sucessivas e ajudou a Alemanha a tornar-se na principal potência europeia pela primeira vez desde as duas guerras mundiais”, escrevia esta semana o jornal The New York Times
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