Ataque ao Capitólio. Pentágono aplicou restrições "pouco habituais" à Guarda Nacional

por Joana Raposo Santos - RTP
Os militares da Guarda Nacional de Washington apenas tiveram autorização para proteger o Capitólio três horas depois de o pedido ter sido feito ao Pentágono. Foto: Jonathan Ernst - Reuters

O Pentágono colocou restrições "pouco habituais" à Guarda Nacional de Washington antes da invasão ao Capitólio, a 6 de janeiro, impedindo que os militares dessa força fossem mobilizados rapidamente e impedissem a violência que resultou em cinco vítimas mortais. A informação foi avançada pelo próprio comandante da Guarda Nacional, numa audição sobre as falhas de segurança verificadas nesse dia.

O general William J. Walker, comandante da Guarda Nacional de Washington, contou a um comité conjunto de senadores que, no dia do ataque, apenas teve autorização para mobilizar tropas mais de três horas depois de a ter solicitado - altura em que já seria demasiado tarde para travar os manifestantes.

Ainda segundo o general, dias antes do assalto ao Capitólio, o Pentágono - sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos - ter-lhe-á retirado a autoridade para empregar de forma rápida as suas tropas.

O responsável disse ter sido impossibilitado de deslocar os militares até de um semáforo ao outro sem a permissão de Ryan McCarthy, o secretário norte-americano do Exército.

Assim que Walker teve autorização para empregar os seus militares - três horas depois do que havia sido o momento ideal -, estes foram enviados para o local e ajudaram a restabelecer o perímetro de segurança junto ao edifício, que estava já sob ataque.

O general disse ainda ao comité de senadores que poderia ter mobilizado 150 soldados horas antes, caso não lhe tivessem retirado esse poder. “Esse número poderia ter feito a diferença”, lamentou. “Todos os segundos importaram. Todos os minutos”.
Contraste com protestos antirracismo
William J. Walker fez ainda notar uma particularidade quanto às permissões que lhe foram retiradas no dia do ataque ao Capitólio: na primavera e verão do ano passado, quando os Estados Unidos foram palco de centenas de protestos pela justiça racial, o general foi autorizado a usar táticas agressivas e rápidas; a 6 de janeiro, porém, a resposta que lhe foi possível dar foi limitada e necessariamente mais lenta.

Segundo o general, os militares responsáveis expressaram preocupação quanto à ideia de enviar tropas até ao Capitólio para reprimir americanos. “Os líderes do Exército acharam que não iria parecer bem e que não daria uma boa imagem. Fartei-me de ouvir essa expressão: 'imagem'”, declarou perante os senadores.

Quando questionado sobre se, nos protestos do ano passado, tinha havido um discurso semelhante por parte dos decisores, Walker respondeu negativamente. “Isso nunca foi discutido naquela semana [de grandes protestos] de junho. Nunca foi discutido a 4 de julho, quando estivemos a assegurar a segurança na cidade. Nem a 28 de agosto, quando voltámos a fazê-lo”, assegurou.

O senador democrata Gary Peters perguntou, de seguida, se o general achava a retirada de permissões que atrasou a ação no Capitólio algo “pouco habitual”. Walker respondeu que sim.
A justificação do Pentágono
Robert G. Salesses, funcionário do Departamento de Defesa que também testemunhou na audiência com senadores, avançou uma justificação para a retirada de poderes à Guarda Nacional de Washington. “As restrições foram colocadas por causa da muito criticada atuação da Guarda sobre os manifestantes pacíficos em Washington em junho”, explicou.

De acordo com Salesses, o Pentágono demorou a decidir se deveria ou não empregar forças no Capitólio a 6 de janeiro porque quis saber ao certo o que as tropas iriam fazer no local. Segundo o responsável, o objetivo foi apenas evitar uma repetição do ano passado.

Além disso, Christopher C. Miller, então secretário da Defesa, “quis tomar as decisões sobre como a Guarda Nacional seria empregue nesse dia”, revelou Salesses.

“Certamente teremos questões para o secretário do Exército Ryan McCarthy e para o ex-secretário da Defesa Christopher Miller”, disse o senador republicano Roy Blunt aos jornalistas no final da audiência. “Vamos questioná-los sobre a visão que fez este processo de tomada de decisões correr tão horrivelmente mal”.
Autorização demorou mais de três horas a chegar
Ainda durante a audiência, o general William J. Walker forneceu mais pormenores sobre o desenrolar dos acontecimentos a 6 de janeiro. Começou por contar que, às 13h49 (hora local), recebeu uma “chamada frenética” de Steven Sund, na altura chefe da Polícia do Capitólio. Dali a 30 minutos, os apoiantes de Trump entrariam no edifício.

“O chefe Sund tinha a voz afetada e indicou-me que havia uma terrível emergência no Capitólio”, explicou. “Ele solicitou a assistência imediata de todos os guardas da Guarda Nacional que eu pudesse reunir”.

Logo após a chamada, Walker alertou os líderes do Exército e colocou soldados em autocarros “prontos a dirigirem-se até ao Capitólio”. No entanto, o secretário de Defesa só viria a aprovar o pedido às 15h04. O general Walker só recebeu do Pentágono a informação de que o pedido fora autorizado às 17h08.

A essa hora do dia 6 de janeiro já os apoiantes pró-Trump tinham invadido o edifício onde o Colégio Eleitoral votava para atribuir oficialmente a vitória das presidenciais norte-americanas ao democrata Joe Biden.

O incidente, ocorrido depois de o próprio Trump ter incentivado os seus apoiantes a manifestarem-se, resultou em cinco vítimas mortais e dezenas de detidos. Levou ainda a que o Partido Democrático avançasse com um novo processo de destituição contra Donald Trump, que no entanto acabou por ser absolvido.
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