Bielorrússia. Alexander Lukachenko tomou posse em cerimónia secreta

por Graça Andrade Ramos - RTP
Alexander Lukachenko a 23 de setembro de 2020, em uniforme de gala ainda a lembrar a estética soviética, no dia da sua sexta tomada de posse como Presidente da Bielorrússia, não reconhecida pela oposição e pela UE Reuters

Pela sexta vez, o Presidente tomou posse do cargo. Pela primeira vez, a cerimónia não foi anunciada de antemão. Realizou-se na presença de cerca de 700 pessoas, incluindo generais e deputados que apoiam a permanência de Alexander Lukachenko no poder da Bielorrússia, mas sem diplomatas. Opositores bielorrussos e líderes europeus denunciaram de imediato a tomada de posse como ilegítima.

Imagens de vídeo imortalizaram e divulgaram o momento.

"O dia em que o Presidente toma posse, o dia da sua inauguração, é o dia da nossa vitória conjunta - uma vitória importante e convincente", disse Lukachenko, dirigindo-se em uniforme de gala a uma guarda de honra de soldados perfilados.

Alexander Lukachenko a 23 de setembro de 2020, em uniforme de gala ainda a lembrar a estética soviética, no dia da sua sexta tomada de posse como Presidente da Bielorrússia, não reconhecida pela oposição e pela UE Foto Reuters

"Vocês salvaram a paz deste cantinho da Terra, vocês defenderam a soberania e a independência do nosso país", disse-lhes, numa referência à alegada conspiração internacional ocidental que, de acordo com o discurso oficial, tenta derruba-lo através de uma revolução colorida para usar o país como trampolim na sua guerra contra a Rússia.Revolução colorida era a designação dada por Moscovo aos movimentos populares fomentados pelos países ocidentais e que expulsaram os regimes comunistas no início do século XXI na Ucrânia, na Geórgia e no Kirguistão, e foi agora retomada por Lukachenko.

"O nosso Estado enfrentou um desafio sem precedente", declarou o bielorrusso de 66 anos, ex-dirigente de kolkozes nos tempos soviéticos. "Estamos entre os únicos, senão mesmo os únicos, entre os que a revolução colorida não funcionou. É a escolha dos bielorrussos", acrescentou.

"Não elegemos apenas um Presidente, defendemos os nossos valores, a nossa vida pacífica, a nossa soberania e a nossa independência, e temos muito mais a fazer neste âmbito", acrescentou o líder bielorusso.

Uma ameaça dirigida aos manifestantes que, desde nove de agosto, enchem aos milhares as ruas todos os fins de semana, apesar da repressão violenta dos agentes de segurança e das detenções em massa.
Eu é que sou Presidente
Legalmente, a tomada de posse deveria ter lugar apenas a nove de outubro, dois meses após as eleições.

Apesar de cerca de 700 pessoas terem assistido à cerimónia, tudo foi mantido em segredo até ao último momento. Em Minsk, capital da Bielorrússia, circulavam rumores quarta-feira de manhã, de que iria ter lugar no próximo fim de semana.

Único indício da iminente sexta tomada de posse de Alexander Lukachenko como Presidente da Beilorrússia. Um carro presidencial a percorrer à pressa ruas quase desertas, para evitar manifestações de protesto Foto: Reuters

A adida de imprensa do Presidente disse mesmo a uma agência de notícias russa que daria "mais perto da data" todas as informações necessárias. Na verdade, a cerimónia estava já marcada para dai a algumas horas.A oposição especulava que iria haver uma investidura surpresa, depois do cortejo presidencial ter percorrido as ruas a grande velocidade, da principal avenida de Minsk ter sido encerrada ao público e das forças da ordem terem sido vistas a cercar em grande número o Palácio Presidencial.

Svetlana Tikhanovskaya, a líder da oposição que ousou desafiar Lukachenko nas eleições eleitorais de início de agosto, publicou um vídeo a denunciar a "farsa" da tomada de posse que interpretou como o fim oficial do mandato presidencial.

A ex-professora, que foi forçada depois das eleições a abandonar o país, assumiu-se depois como a verdadeira Presidente.

"Esta alegada inauguração é uma farsa, obviamente. O que realmente se passou hoje é que Lukachenko se reformou", disse. "Eu, Svetlana Tikhanovskaya, sou a única líder eleita pelo povo bielorrusso e a nossa tarefa é construir juntos uma nova Bielorrússia".

Tikhanovskaya prometeu ser apenas uma líder interina, até à realização de novas eleições livres.
Inauguração fraudulenta, diz UE
A União Europeia recusou reconhecer o resultado das eleições e agora também não reconheceu a tomada de posse. A vizinha Lituânia, acusada por Lukachenko de integrar a conspiração ocidental contra si, disse oficialmente que não o reconhece como Presidente.


"Que farsa. Eleições fraudulentas. Inauguração fraudulenta. O antigo Presidente da Bielorrússia não deixou de ser o antigo. Pelo contrário. A sua ilegitimidade é um facto com todas as consequências que isso traz", tweetou o ministro lituano dos Negócios Estrangeiros, Linas Linkevicius.

Também o seu homólogo eslovaco, Ivan Korcok, escreveu que Lukachenko "não tem legitimidade para governar o seu país". Outros responsáveis pelas diplomacias dos 27 reagiram de forma semelhante e denunciaram a "obstinação" do líder bielorrusso.

Berlim, pelo porta-voz do Governo, declarou "não o reconhecer" enquanto Presidente, por falta de "legitimidade democrática". Considerou ainda que "o secretismo" em torno da cerimónia de inauguração foi "revelador" quanto a fraqueza do regime.

Além da Alemanha, da Lituânia e da Eslováquia, já recusaram reconhecer Alexander Lukachenko como Presidente, a Estónia, a Letónia e a República Checa.

Apesar desta posição, assumida por vários Estados, a União Europeia foi incapaz, por divergências internas, de alcançar terça-feira um acordo para a imposição de sanções a Lukachenko.

Um tweet da Comissão do Senado para os Assuntos Externos, do Senado dos Estados Unidos da América, deixou antever a posição oficial norte-americana.


"O facto de a 'inauguração' de Lukachenko ter tido de se realizar em segredo só prova ainda mais que ele perdeu legitimidade enquanto líder. Ele não é o Presidente da Bielorrússia e deve afastar-se", lê-se na publicação.
Novo padrinho
O secretismo da cerimónia foi também invocado por Pavel Latushko como prova da ilegitimidade de Lukachenko enquanto Presidente.

"Onde andam os cidadãos contentes? Onde estão os diplomatas? Honestamente, parece mais uma reunião da máfia para coroar um novo padrinho", reagiu Latushko, um ex-ministro da Cultura e atualmente um dos sete líderes de um conselho que tenta organizar uma transição de poder pacífica.

Após a posse, a oposição bielorrussa apelou aos protestos por tempo indeterminado. "Nunca aceitaremos as fraudes e exigimos novas eleições", disse Pavel Latushko.

Tal como os seus pares, Latushko teve de se exilar da Bielorrússia, para evitar a prisão que caiu sobre outras figuras da oposição, condenadas muitas delas a longas sentenças.

"Pode jurar dez vezes, para mim, já não é ninguém"
, reagiu Valentina Sviatskaïa, reformada de 64 anos habitante de Minsk, a um jornalista da Agência France Presse, para quem "o povo em cólera" irá continuar a manifestar-se.

"É oficial, somos governados por um usurpador e vivemos em ditadura" reagiu por seu lado Igor Koukharski, empresário de 38 anos.

Mal se soube da tomada de posse, as ruas começaram a encher-se, de soldados e de polícias por um lado, e de manifestantes em protesto, por outro. Como sempre, a rede Twitter tem sido usada para divulgar os protestos, apesar do sinal de internet ter sido enfraquecido ou até cortado.



Vários manifestante já foram detidos ou agredidos e muitos tiveram de ser hospitalizados, afirma a oposição. A polícia bielorrussa utilizou hoje canhões de água para dispersar milhares de pessoas que se reuniram no centro de Minsk após a tomada de posse.

As mulheres, uma das maiores forças contra Lukachenko, inspiradas pelo triunvirato feminino liderado por Svetlana que enfrentou o regime, começeram entretanto a usar coroas de plástico, numa caricatura da inauguração.
Ex-pai da nação
Oficialmente, as eleições de nove de agosto foram ganhas por Lukachenko, com 80 por cento dos votos, tendo Svetlana obtido dez por cento.

Nesse domingo, os cidadãos eleitores da Bielorrússia fizeram filas de quilómetros para poder votar e a maioria afirmou ter escolhido a candidata da oposição. As acusações de fraude foram imediatas, após o anúncio da Comissão Eleitoral.
Alexander Lukachenko, que chegou ao poder em 1994 sobre uma plataforma anti-soviética e pró-democracia, entrincheirou-se no cargo e já fez saber que não ira abandona-lo. É conhecido como "o último déspota da Europa".

Apesar da repressão violenta dos protestos, que lhe fez perder o apoio dos todos poderosos sindicatos das indústria bielorrussas, Lukachenko retém a lealdade das forças de segurança e do exército, que o mantêm no cargo.

O Presidente, que chegou a ser conhecido como "pai da nação", prometeu reformas constitucionais, com apoio de Moscovo, que a oposição denuncia como cosmética.

Apesar de alguma prosperidade económica, a Bielorrússia é um país estatizado, governado com mão de ferro, sem espaço para discursos ou ideias contrários à narrativa da liderança e com cadeias cheias de opositores.

A contestação ao resultado eleitoral, inédita na escala e na continuidade, levou à detenção também de jornalistas e de mais de sete mil civis.

Esta quarta-feira, Lukachenko não referiu as razões que o levaram a decidir não divulgar o dia e hora da cerimónia, alegadamente para evitar a provável manifestação de protesto nas ruas, contra a sua pessoa e o seu Governo.

Lukachenko também não agradeceu ao Presidente russo, Vladimir Putin, o recente apoio face aos pedidos populares para que se vá embora.
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