Bielorrússia. Jornalista detido reaparece na televisão, oposição fala em "refém do regime"

por Andreia Martins - RTP
Na quinta-feira, membros da comunidade bielorrussa reuniram-se em Varsóvia, na Polónia, para exigir a libertação de Roman Protasevich e de outros elementos da oposição, detidos pelo regime de Lukashenko. Kacper Pempel - Reuters

Numa declaração transmitida pela televisão estatal, o jornalista bielorrusso Roman Protasevich deixou elogios ao Presidente Alexander Lukashenko e admitiu que participou na organização de protestos contra o regime de Minsk. A família do repórter, detido há duas semanas após o desvio de um avião da Ryanair, garante que o jovem de 26 anos foi coagido e obrigado a gravar a confissão.

Choroso, visivelmente desconfortável e com marcas nos pulsos, Roman Protasevich apresentou-se na quinta-feira na ONT, a televisão estatal bielorrussa, numa declaração em que assumiu que mobilizou a população para os protestos contra o regime de Lukashenko, tendo garantido que tal confissão era feita de livre vontade.

Na entrevista, o repórter admitiu ter criticado o líder do país no passado, mas que entretanto mudou de opinião. “Comecei a perceber o que ele estava a fazer a coisa certa e certamente que o respeito”, adiantou.

No final da declaração televisiva, o jovem jornalista começa a chorar e afirma que esperava um dia poder casar e ter filhos. Assume que quer corrigir os seus “erros” e continuar "uma vida tranquila e calma", longe da política.

Em reação a estas imagens, o pai de Roman Protasevich disse à agência France Presse que tinha sido doloroso assistir à entrevista. Considera que as declarações foram obtidas com “violência, tortura e ameaças”.

Conheço muito bem o meu filho e acredito que ele nunca diria estas coisas. Eles quebraram-no e obrigaram-no a dizer o que fosse necessário”, acrescentou.

Franak Viacorka, conselheiro da líder da oposição bielorrussa Svetlana Tikhanovskaya, considera que Protasevich é "um refém do regime".


"É doloroso ver esta confissão de Roman Protasevich. Os pais acreditam que foi torturado. Este não é o Roman que conheço. Este homem na televisão de Goebbels é um refém do regime, e temos de fazer tudo o que for possível para o libertar, a ele e aos outros 460 presos políticos", escreveu no Twitter.

A partir de Varsóvia, onde esteve reunida na quinta-feira com elementos da comunidade bielorrussa, Svetlana Tikhanovskaya disse esta sexta-feira que a entrevista ao jornalista detido foi realizada "sob pressão".

"Todos os vídeos como este são gravados sob pressão. Nem é preciso prestar atenção às palavras, porque elas são ditas após tortura. O objetivo destes prisioneiros políticos é sobreviver", afirmou em conferência de imprensa

A entrevista de quinta-feira foi a terceira aparição de Protasevich na televisão estatal bielorrussa desde que foi detido. Noutra declaração anterior, afirmou que os protestos da oposição nas ruas não valiam a pena.

É horrível pensar na brutalidade a que as forças de segurança da Bielorrússia devem ter submetido Roman Protasevich para que ele gravasse este vídeo. Esta deveria ser a primeira prova num processo contra o Presidente Lukashenko por tortura e maus tratos”, afirmou Kenneth Roth, da organização não-governamental Human Rights Watch.

Roman Protasevich e a namorada, Sofia Sapega, de nacionalidade russa, foram detidos pelas autoridades bielorrussas a 23 de maio, após o desvio de um avião civil, da Ryanair, que fazia a ligação entre Atenas, na Grécia, e Vilnius, na Lituânia. Enquanto o voo sobrevoava o espaço aéreo bielorrusso, as autoridades forçaram o desvio do avião por alegada ameaça de bomba a bordo.

O caso gerou grande polémica e protestos a nível internacional, sobretudo por parte da União Europeia, até porque o aparelho em causa pertencia a uma companhia aérea irlandesa e fazia a ligação entre duas capitais de dois Estados-membros.

Bruxelas respondeu ao anunciar novas sanções contra o regime de Alexander Lukashenko e a proibição de circulação das companhias aéreas bielorrussas no espaço aéreo do bloco. As companhias aéreas europeias são também aconselhadas a evitar sobrevoar o espaço aéreo bielorrusso.

As sanções da União Europeia estão a ser ultimadas e deverão ser aprovadas numa reunião com os vários ministros de Negócios Estrangeiros, a 21 de junho.

Na Bielorrússia, Roman Protasevich foi responsável pela gestão do NEXTA, um canal no Telegram que desempenhou um papel central no movimento de oposição a Alexander Lukashenko após as eleições de agosto de 2020.

Este meio foi decisivo para mostrar os protestos e contestação nas ruas após o escrutínio de 9 de agosto, quando a televisão estatal os ignorava deliberadamente. Lukashenko, no poder desde 1994, foi dado como vencedor com mais de 80 por cento dos votos.

A eleição foi fortemente contestada pela oposição, com protestos nas ruas durante várias semanas que ficaram marcados pelo uso desmedido de força policial contra os manifestantes.

Roman Protasevich é acusado de “organizar” motins na Bielorrússia, um crime punível com 15 anos de prisão. No entanto, o governo bielorrusso registou o repórter numa lista de “indivíduos envolvidos em atividade terrorista”, o que acarreta sentenças muito mais pesadas.

De acordo com o relato dos passageiros que seguiam no avião da Ryanair, desviado a 23 de maio, Protasevich afirmou, ao ser detido no aeroporto de Minsk, que seria “condenado à morte” naquele país.
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