Covid-19. Porque é mais perigoso um vírus mais contagioso do que um mais letal

por Graça Andrade Ramos - RTP
O vírus SARS-CoV-2 DR

Os países mais afetados pela variante inglesa do SARS-CoV-2, mais contagiosa, foram até agora a Inglaterra e a Irlanda, onde o número de novos casos de infeção com o SARS-CoV-2 tem vindo a disparar. A OMS está atenta também a outra variante, surgida na África-do-Sul, e apela a comunidade científica internacional a intensificar esforços para sequenciar os respetivos genomas. Receia que, devido a um maior nível de contágio, a pandemia se torne mais difícil de conter do que na primeira vaga de 2020.

Os alarmes começaram a soar em Inglaterra em setembro de 2020, na região de Kent. Algures, o SARS-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19, tinha sofrido uma mutação que o tornava muito mais contagioso do que o coronavírus inicial.

Uma equipa da Escola de Medicina Tropical e Higiene de Londres concluiu de forma preliminar que esta variante era 50 a 70 por cento mais contagiosa do que as restantes até então detetadas. Chamaram-lhe por isso variante VoC 2020 12/01 [Variant of Concern, ano 2020, mês 12, variante 01].A pesquisa britânica identificou uma mutação na proteína da espícula do vírus, que lhe permite uma maior afinidade entre o vírus e as células humanas, favorecendo a infeção.

A VoC 2020 12/01 já foi identificada em pelo menos 50 países, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, e, dada a sua facilidade de transmissão, poderá em breve tornar-se a estirpe dominante, por exemplo na Europa.

A OMS acredita mesmo que a propagação da estirpe originalmente identificada em Kent e da sua congénere sul-africana está a ser gravemente subestimada.

Para já, a variante inglesa não parece ser mais letal do que o vírus original, ou seja, não parece provocar casos mais graves ou mais mortais de Covid-19 face a uma mesma quantidade de pessoas infetadas.

Um consolo fraco para as autoridades sanitárias e políticas, já que um vírus mais contagioso é potencialmente muito mais perigoso do que um simplesmente mais mortal, uma vez que a multiplicação de casos de infeção é exponencial.

Por exemplo, na Irlanda, onde a presença da VoC 2020 12/01 cresceu de 8,6 para 24,9 por cento entre 20 de dezembro de 2020 e três de janeiro de 2021, o número de casos de contágio com SARS-CoV-2 por milhão de habitantes multiplicou-se por 10 em apenas duas semanas e meia.
Uma questão de matemática
O problema com uma estirpe mais contagiosa é a sua capacidade potencial de alastrar a um maior número de pessoas, caso não sejam tomadas medidas contra a sua propagação.

Num artigo sobre a questão, o jornal francês Le Monde mostrou as contas. Se se considerar que o tempo de geração, ou o período de possibilidade de infetar alguém após ter sido exposto ao vírus, é de seis dias, em trinta dias um aumento em 50 por cento da contagiosidade irá verificar-se pelo menos cinco vezes. O que equivale a cinco “gerações” de contaminação 50 por cento mais contagiosa, refere o artigo.

Se, em vez de se dar a nível do contágio, a mutação ocorresse a nível da letalidade, por exemplo uma variante do vírus 50 por cento mais mortal, o número de mortos iria subir na mesma proporção. Mas a propagação do vírus seria constante.

O epidemiologista britânico Adam Kurcharski deu no Twitter um exemplo do diferente impacto das variantes, partindo de uma situação inicial de 10 000 casos Covid-19.

Com uma taxa de letalidade de 0,8 por cento e uma taxa de infeção do vírus de 1,1, o coronavírus “normal” iria causar, em trinta dias de livre propagação, 129 mortos. Ao aumentar a taxa de mortalidade em 50 por cento, o número de mortos subiria a 193 no mesmo período. Ao aumentar a taxa de infeção também em 50 por cento, com um acréscimo muito mais rápido de casos, no mesmo período haveria 978 óbitos.

Noutra nota preocupante, os epidemiologistas afirmam que, a confirmar-se a avaliação preliminar da escola londrina sobre a VoC 2020 12/01, a propagação do SARS-CoV-2 será muito mais difícil de controlar do que na primeira vaga, na primavera de 2020.
Apelo urgente
É da natureza dos vírus adaptarem-se a novos hospedeiros e, só em junho de 2020, tinham sido já identificadas em todo o mundo 65776 variantes do SARS-CoV-2, 5775 das quais distintas.

Recentemente, além da variante inglesa, outras duas, uma surgida na África do Sul e já identificada em cerca de 20 países, e outra detetada na Amazónia, no Brasil, preocupam a OMS.

Esta última, identificada por cientistas japoneses, é considerada "muito inquietante" pela organização sanitária da ONU, pois terá efeitos diretos no sistema imunitário das pessoas infectadas.

As variantes estão já a ser analisadas, tanto quanto às suas especificidades, letalidade e resistência às vacinas contra a Covid-19 atualmente em circulação, mas o Comité de Emergência da OMS apelou esta sexta-feira à expansão mundial dos esforços de sequência do genoma das novas variantes, incluindo a partilha de dados e um reforço da colaboração científica, para enfrentar “o desconhecimento fundamental” que subsiste.

"Este é um momento decisivo da pandemia", considerou.

O mesmo Comité apelou ainda à OMS que estabeleça um “sistema normalizado” de denominação das novas variantes que afaste qualquer “estigmatização” geográfica ou política.

O conselheiro para a Ciência do Reino Unido, Patrick Vallance, afirmou por seu lado confiar que, caso as novas variantes sejam capazes de contornar as vacinas, estas sejam rapidamente adaptáveis às mutações do SARS-CoV-2. “Particularmente as vacinas RNA são realmente muito fáceis de ajustar às alterações do vírus”, afirmou em conferência de imprensa esta sexta-feira.
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