Exército israelita recruta requerentes de asilo para combater em Gaza

por RTP
Migrantes sudaneses, nas ruas de Telavive Amir Cohen - Reuters

O exército de Israel terá recrutado requerentes de asilo oriundos de África para participar nos esforços de guerra na Faixa de Gaza. Em troca, Telavive oferece residência permanente. Os grupos de defesa a refugiados já alertaram que os recém recrutados não estão a receber o prometido e alegam não ser ético criar contrapartidas deste género para cidadãos em situação vulnerável.

Nos últimos dias, órgãos de comunicação social israelitas têm denunciado que a Defesa do país está a usar requerentes africanos de asilo para realizar tarefas na Faixa de Gaza em troca de residência permanente.

“As autoridades de defesa perceberam que poderiam usar a ajuda dos requerentes de asilo e explorar o seu desejo para obter a condição de residente permanente em Israel como um incentivo” avança a publicação middleeastmonitor.

“O sistema de defesa de Israel está a oferecer aos requerentes africanos de asilo que contribuam para o esforço de guerra em Gaza a possibilidade de obter residência permanente em Israel”, refere o diário israelita Haaretz.

A mesma publicação ouviu fontes militares que confirmaram que o recrutamento estava organizado "com orientação legal de consultores do departamento de defesa". Porém, a forma como estes militares serão usados no terreno não foi tornada pública nem “as considerações éticas do recrutamento de requerentes de asilo foram abordadas”.

De acordo com o Haaretz, até ao momento “nenhum requerente de asilo que já contribuiu para o esforço de guerra recebeu estatuto oficial [de residente]”.

São cerca de 30 mil os requerentes de asilo, dos quais a maioria oriundos do Sudão e da Eritreia, e residem em Israel pelo menos desde 2020. Destes, apenas 3.500 sudaneses usufruem já do status de residente temporário, enquanto milhares de pedidos de asilo continuam pendentes.
Requerente contactado para "uma guerra de vida ou morte para Israel"

Um requerente de asilo, identificado apenas como A pelo Haaretz, partilhou a sua experiência. Descreve que quando chegou a Israel aos 16 anos procurou integrar-se na sociedade inscrevendo-se nas Forças de Defesa de Israel (IDF). No início da guerra, alguém alegando ser uma autoridade policial contactou-o por telefone, advertindo-o para se apresentar imediatamente numa instalação militar.

"Eles disseram-me que estavam à procura de pessoas especiais para se juntar ao exército. Eles disseram-me ainda que esta era uma guerra de vida ou morte para Israel", contou A ao Haaretz.

O migrante apresentou-se e após vários encontros com as autoridades foi-lhe dito que se se alistasse passaria por duas semanas de treino junto com outros requerentes de asilo e receberia os documentos para regularizar a situação no Estado de Israel.

Depois de pensar, A decidiu que a vida militar não era para ele e desistiu do programa antes de o treino começar. Entretanto, o processo de A continua pendente. “Alistar-se no exército nunca deve ser uma condição para obter o status de refugiado”
A prática de recrutamento de requerentes de asilo ou indivíduos em situação fragilizada não é nova e é levada a cabo por países por todo o mundo, com conflitos fora ou dentro das fronteiras. Normalmente, procuram que esse modus operandi não seja falado.

Neste caso específico, o recrutamento feito pelo exército israelita já foi criticado por diversas organizações de defesa dos migrantes. Alegam que criar uma contrapartida não é ético pois o asilo deve ser decidido com base noutras condições.

“O status da pessoa com asilo é concedido devido à perseguição no país de origem, não como parte de um acordo”, argumenta Julia Grignon, professora de direito humanitário internacional e diretora de investigação do Institute for Strategic Research (IRSEM).

“Alistar-se no exército nunca deve ser uma condição para obter o status de refugiado”, observa.

Outras vozes sublinham que Israel está a explorar pessoas vulneráveis que fugiram das suas terras em busca de segurança.

“Algumas pessoas expressaram objeções a esta prática, argumentando que ela explora pessoas que fugiram de seus países devido à guerra”, afirmou o diário israelita, acrescentando que essas vozes foram silenciadas.

De acordo com Shira Abbo, diretora de políticas públicas da Hotline for Refugees and Migrants, a principal organização de defesa de refugiados de Israel, menos de um por cento dos pedidos de asilo são aprovados.

“Para muitos, os seus pedidos não são negados, mas ficam pendentes por cinco, 10 ou mais anos, deixando-os num limbo legal”, afirmou Abbo.

“A pouca informação que temos é alarmante”, continua Abbo, citada na France24. “Os direitos devem vir antes das obrigações. É perigoso recrutar indivíduos sem direitos e esperar que eles arrisquem as suas vidas com base em promessas vagas”.

O portal Walla de Israel reportou em junho que as Forças de Defesa de Israel estavam com a escassez de militares. Nessa altura, o Haaretz relatava que “dezenas de soldados da reserva anunciaram que não retornariam ao serviço militar em Gaza, mesmo que fossem punidos”.
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