Extrema-direita promete "caçar" Merkel

por RTP
Angela Merkel ao lado da presidente da AfD, Frauke Petry (foto de fevereiro de 2017) Hannibal Hanschke, Reuters

A chanceler continuará chanceler, sem maioria absoluta como se esperava, e mais longe da maioria absoluta do que se esperava. O parceiro de coligação social-democrata sofre uma derrota histórica, os liberais ressurgem do limbo extra-parlamentar e a extrema-direita (AfD) entra no parlamento pela porta grande.

As sondagens de boca de urna publicadas no Frankfurter Allgemeine Zeitung, colocavam a CDU/CSU folgadamente à frente dos restantes partidos, mas com o amargo de boca de ser o partido que mais votos perdeu (a rondar os nove pontos percentuais).

Entretanto, o apuramento de todos os resultados do "segundo voto", e do "primeiro voto" em alguns círculos permite estimar que a direita democrata-cristã e social-cristã provavelmente conseguiria 243 deputados num total que deverá atingir 705.

Percentagens da votação total

CDU/CSU - 33,0
SPD - 20,6
AfD - 12,8
FDP - 10,6
Verdes - 8,9
Esquerda - 9,1

Fonte: ARD (22h27m)
SPD: a dúvida sobre a passagem à oposição
Ao parceiro de coligação SPD bastou perder (5,7%) para fazer o seu pior resultado desde 1949 - isto, sob a liderança de um Martin Schulz, que irrompeu na cena política alemã como esperança meteórica de recuperação eleitoral do partido e a esse título substituiu o ainda mais cinzento Sigmar Gabriel.

O SPD continua, porém, na posição de segundo partido e, aritmeticamente, com 153 deputados, na posição de parceiro suficiente para uma maioria com o partido vencedor, sem intervenção de mais nenhum aliado. Martin Schulz diz-se disposto a permanecer à frente do partido.

As primeiras declarações de instâncias responsáveis do SPD, em reacção aos resultados já conhecidos, constituem ainda um eco vigoroso da campanha eleitoral. A vice-presidente social-democrata Manuela Schwesig afirmou, para já, que o SPD não tenciona renovar a coligação cessante e que tenciona passar à oposição. Também o líder parlamentar Thomas Oppermann se pronunciou no mesmo sentido.

Mas haverá que ver como correm as negociações de Merkel com os partidos ministeriáveis, que na Alemanha têm uma tradição de constituir um processo laborioso e demorado, chegando a durar meses. A recusa inicial do SPD à renovação da fórmula governativa de até aqui tanto pode constituir uma verdadeira constatação dos danos causados por essa fórmula à popularidade do partido, como um estratagema para aumentar o valor negocial do partido.

O facto é que têm vindo a público sucessivas derrapagens de responsáveis social-democratas, em postos de governação, a revelarem quais seriam as suas pretensões num cenário de derrota eleitoral do partido, como precisamente sucedeu.
AfD, do nada para terceiro partido
A extrema-direita (AfD), a que as últimas sondagens antes do defeso pré-eleitoral davam 11% dos votos, ficou mesmo acima dessa marca impensável há pouco tempo (12,8%), o que representa uma subida notável sobre a sua anterior votação (subida de cerca de oito pontos percentuais). Ocupa o lugar de terceiro partido mais votado, o que constitui uma novidade absoluta desde os tempos da Alemanha nazi e vai valer-lhe um grupo parlamentar que poderá atingir 98 assentos.

Algumas regras de funcionamento do Bundestag foram já alteradas na previsão de uma eventual vaga de fundo da AfD. O discurso de abertura da sessão legislativa, até agora feito pelo decano dos deputados, seria feito desta vez pelo deputado da AfD e notório negacionista do Holocausto Wilhelm von Gottberg (de 77 anos). Por isso se alterou a norma, no sentido de passar a fazer esse discurso o deputado com mais anos de parlamento: o resultado é o discurso ser feito, afinal, por Wolfgang Schäuble.

Mas uma outra regra atribui ao maior partido da oposição a liderança da importante comissão parlamentar do Orçamento. No caso de vir a reeditar-se uma "Grande Coligação" entre CDU e SPD, o maior partido a ficar de fora seria, então, a AfD. E caber-lhe-ia a presidência desse organismo vital do parlamento.

Para já, a AfD estreou-se como partido parlamentar-federal, a prometer "abrir a caça" aos titulares do poder e, muito particularmente, às vulnerabilidades da chanceler. É todo um estilo truculento, que se anuncia para a vida parlamentar na próxima legislatura.
Liberais, verdes e esquerda
Os liberais (FDP), que têm entrado e saído do parlamento, concluem com esta eleição, conduzida pelo jovem e carismático Christian Lindner a sua mais recente travessia do deserto e reentram no Bundestag com 10,6% dos votos. Desse modo, não recuperam apenas o estatuto de partido parlamentar, mas também, com os seus 77 deputados, o de parceiro possível para eventuais combinações governamentais. A sua representação parlamentar não lhe permitirá contudo ser parceiro único. Será sempre necessário mais alguém.

As estimativas apresentam a votação nos Verdes a rondar os 8,9%, a que corresponderiam 67 assentos parlamentares. O Partido da Esquerda (Die Linke), com 9,1%, obteria também 67 mandatos.

À partida, estava já completamente excluído que a Esquerda fizesse parte de alguma combinação governamental, porque Martin Schulz declarou peremptoriamente durante a campanha que não discutiria coligação de qualquer espécie com o PdL (embora coligações desse tipo, entre a esquerda e a social-democracia existam em vários governos dos Länder).

E também existem nos debates internos da direita conservadora fortes objecções a que os Verdes possam fazer parte de uma solução de governo, em conjunto com democratas-cristãos e liberais. Apesar de ser aritmeticamente possível, a chamada "Coligação Jamaica" (democratas-cristãos, liberais e verdes) não é ainda neste momento uma alternativa segura à "Grande Coligação".
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