Sahel - Uma Bomba Relógio!

por Felipe Pathé Duarte, comentador RTP
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A instabilidade no Sahel é cada vez mais preocupante - a fragilidade dos Estados e o aumento descontrolado do jihadismo estão a criar condições para consequências devastadoras. Devíamos olhar com mais atenção para esta região. Não o fazemos! E isso vai custar-nos caro. Os efeitos serão vários, seja no alargamento do fluxo migratório ou no aumento de ataques terroristas na Europa e a interesses europeus. A actual presença militar francesa no Sahel e a ajuda financeira da UE não são suficientes. É preciso mais.

O Alastrar do Jihadismo no Sahel

Nos últimos anos a faixa subsariana do Sahel tornou-se um campo de batalha para grupos jihadistas que tanto competem, como cooperam, pela hegemonia na região. O número de ataques aumentou significativamente. Para além do Daesh e da al-Qaeda no Magrebe Islâmico, pequenos grupos terroristas e milícias tribais ajudam a fragmentar ainda mais a região. Muitos acabaram por desertar e integrar as fileiras das duas principais organizações jihadistas, que assim ocupam cada vez mais espaço na região. Mas o Sahel sempre foi dominado pela al-Qaeda e afiliadas. Há uma longa história na região. Já a presença do Daesh não tem sido linear. A estrutura central demorou algum tempo para reconhecer oficialmente esta ramificação. E o colapso territorial na Síria e no Iraque tem comprometido a distribuição de recursos.

Porém, há diferenças ideológicas, de percepção sobre o inimigo e, logo, de modus operandi. A al-Qaeda enfatiza a luta contra os governos seculares locais e as forças estrangeiras na região. O Daesh está mais voltado para a criação de combatentes dogmáticos comprometidos com o estabelecimento do califado. E permite que se matem muçulmanos não seguidores dos princípios jihadistas.

Agora, a falta de recursos na região forçou estes dois grupos a capturar áreas que os possam sustentar a longo prazo. Isto tem levado à sobreposição de esferas de influência e, não raras vezes, a confrontos. Mas a al-Qaeda supera o Daesh em número de seguidores. Mantem, por isso, domínio sobre as áreas em conflito – Gourma, no Mali; Soum, no Burkina Faso; e nas regiões próximas do Delta do Níger.

Até ao início deste ano já tinham morrido cerca de 4 mil pessoas e mais de meio milhão foram deslocadas. E o aumento da violência jihadista também está a ir para os países do litoral da África Ocidental. O Benin, o Gana, o Togo e a Costa do Marfim estão sob ameaça.
A falência dos Estados, as fronteiras porosas, a exclusão social das áreas rurais, o acesso a recursos naturais e os conflitos internos alimentam este conflito. Mas também as dinâmicas locais, regionais e internacionais que, juntas, alteram o equilíbrio de poder, colocando sob tensão relações anteriormente cordiais.
O Problema do Estados Frágeis

Dos cerca de dez países que ocupam esta região, apenas o Burkina Faso não se encontra no Top20 dos Fragile State Index 2020. O Chade, por exemplo, está em 7º e o Mali em 16º. São vastas áreas geográficas, vincadamente pobres, com tensões étnicas e onde as instituições governamentais têm um alcance reduzido ou colapsaram. O risco daí inerente é muito elevado. Grupos de criminalidade organizada, terroristas ou senhores da guerra facilmente ocupam o lugar do Estado. Tomemos agora o Mali como exemplo.

Nas últimas semanas, milhares de pessoas têm protestado em Bamako, exigindo que o governo actue sobre a corrupção, as más condições económicas e insurgência jihadista liderada pela al-Qaeda e pelo Daesh.

Há uns dias atrás a oposição rejeitou as concessões do Presidente Ibrahim Boubacar Keita para acabar com a actual crise política. Para eles, somente a renúncia de Keita pode acabar com as suas acções de protesto. Ora, o aumento da violência, as prisões dos líderes da oposição e os impasses nas negociações demonstram que a agitação política vai continuar. Haverá confrontos violentos. Logo, os militantes jihadistas vão aproveitar o vazio das forças armadas e de segurança – focadas nesta contestação – para expandir o raio de acção e aumentar escala das suas operações neste país, que tem quase o dobro de Espanha.

Nota Final

A retirada das forças norte-americanas e a inoperância da UE pioraram as condições de segurança. Somente grandes eventos – como o colapso de governos ou a tomada formal de território por parte destes grupos militantes (como a al-Qaeda fez no Mali em 2011) – poderão levar a que o Ocidente empregue mais tropas e recursos para combater esta ameaça no Sahel. Até lá, com o apoio internacional reduzido, a fragilidade dos Estados e a permanente rivalidade entre vários grupos jihadistas, são os locais que vão sentir os confrontos crescentes e a competição por recursos, dinheiro e recrutamento.

O combate ao terrorismo também se faz com botas no terreno. E a UE não pode adiar mais essa decisão.
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