João Almeida é o primeiro ciclista português no pódio final do Giro

por RTP
EPA

João Almeida (UAE Emirates) tornou-se no primeiro português a subir ao pódio final da Volta a Itália e o primeiro ciclista nacional a terminar entre os três melhores de uma grande Volta desde Joaquim Agostinho no Tour1979.

Almeida cortou a meta, no final dos 126 quilómetros da 21.ª etapa, com início e final em Roma, integrado no pelotão encabeçado pelo britânico Mark Cavendish (Astana), e viu o seu terceiro lugar final confirmado, numa 106.ª edição da ‘corsa rosa’ ganha pelo esloveno Primoz Roglic (Jumbo-Visma), que deixou o britânico Geraint Thomas (INEOS) em segundo, a 14 segundos, e o corredor de A-dos-Francos (Caldas da Rainha) a 1.15 minutos.

O ciclista de 24 anos, que também conquistou a classificação da juventude, é o primeiro português a ‘fechar’ o Giro no pódio e o segundo corredor luso a ficar entre os três melhores de uma grande Volta, depois de Joaquim Agostinho ter sido terceiro nas edições de 1978 e 1979 da Volta a França e segundo na Vuelta1974.

A etapa foi vencida por Cavendish numa disputa ao sprint em que superou o luxemburguês Alex Kirsch (Trek-Segafredo), segundo, e o italiano Filippo Fiorelli (Green Project-Bardiani CSF-Faizanè), terceiro.

O trunfo da consistência

João Almeida nunca desceu abaixo de quinto da geral durante toda a Volta a Itália, prova da regularidade e consistência que lhe deram o terceiro lugar final e a vitória na juventude.

O caminho para este resultado inédito no Giro para o ciclismo português começou logo no contrarrelógio de abertura, em que o belga Remco Evenepoel (Soudal Quick-Step) venceu, com Almeida no terceiro lugar.

Seguiu-se uma primeira semana em que se manteve entre o segundo e o quarto posto da geral, caindo, no contrarrelógio da nona etapa, para quinto, a pior classificação que ‘ocupou’ nesta 106.ª edição.

Foi sol de pouca dura, uma vez que o abandono de Evenepoel, por covid-19, o ‘empurrou’ a quarto, de novo, e depois a saída de cena do britânico Tao Geoghegan Hart (INEOS) estabeleceu o ‘top 3’ que acabou por dominar até final.

O britânico Geraint Thomas (INEOS) liderou grande parte da corrida apenas para perder a liderança para o esloveno Primoz Roglic (Jumbo-Visma) no contrarrelógio da 20.ª e penúltima etapa, mas no início da terceira e última semana, a decisiva, o mais forte parecia ser o menos experiente do trio.

João Almeida venceu a 16.ª etapa, numa chegada em alto a Monte Bondone, no regresso após o derradeiro dia de descanso, e mostrou-se aos adversários, subindo ao segundo lugar da geral com Thomas na ‘mira’, depois de ambos se juntarem para afastar Roglic.

Depois de uma 17.ª tirada dedicada aos sprinters, o Val di Zoldo deixou o português em maus lençóis, ao ser desta vez o membro do trio isolado pelos outros, caindo para terceiro, e a toada manteve-se no dia seguinte em Tre Cime di Lavaredo.

Aí, Roglic foi o mais forte e, apesar de Almeida se ter mostrado, acabou por voltar a ceder tempo na luta pela vitória, ainda que a cada dia fosse cimentando a posição no pódio e mostrando superioridade para toda a gente menos os dois experientes rivais dos primeiros lugares.

A ‘cronoescalada’ da 20.ª etapa imitou e definiu o pódio: Almeida, que já tinha sido quarto em 2020 e sexto em 2021, como o melhor jovem e atrás apenas de Thomas, que ‘colapsou’ ante o esloveno que venceu pela primeira vez o Giro após três triunfos na Vuelta.

Quanto à luta pela juventude, essa nem foi realmente uma batalha desde a saída de cena de Evenepoel, uma vez que o norueguês Andreas Leknessund (DSM), que chegou a liderar a ‘corsa rosa’, não foi uma ameaça e concentrou-se em defender o ‘top 10’, com o neerlandês Thymen Arensman (INEOS) preso no trabalho em prol do chefe de fila.

Contas feitas, João Almeida conseguiu o primeiro pódio de Portugal no Giro, o quarto em grandes Voltas após três de Joaquim Agostinho, uma classificação secundária e uma vitória em etapa, nunca baixando de quinto (uma posição em que só passou uma noite) e quase sempre entre os três melhores da corrida.

Em termos de etapas, e além da vitória, nota para oito ‘top 10’ ao longo da corrida, indicativos da capacidade de estar entre os melhores.

O que ele andou para aqui chegar

João Almeida vive numa ‘bolha’. Confiança, só dá às ‘suas’ pessoas, um núcleo duro constituído, essencialmente, por família, namorada, empresário. Sempre que pode, esquiva o foco mediático, os jornalistas e até os adeptos, preferindo resguardar-se no seu mundo. Entrevistá-lo é um desafio - por mais perguntas que se lhe façam, as respostas são sempre curtas, telegráficas, disparadas a uma velocidade imprópria, uma característica, que, por vezes, parece atenuada quando a língua do diálogo é o inglês.

Quem com ele trabalhou, elogia-lhe o profissionalismo, mas também dá conta de alguma ‘teimosia’ e distração, as mesmas que podem ser responsáveis pelos seus famosos erros de colocação, muito menos ‘presentes’ nesta edição do Giro, a da sua definitiva confirmação como um voltista, capaz de ombrear com pesos-pesados do pelotão, como o são Primoz Roglic e Geraint Thomas, os homens que o precedem no pódio, e neles despertar admiração e respeito.

“É uma pessoa muito segura, mesmo quando não corre assim tão bem, em relação às perspetivas dele, a moral é sempre alta. Nunca vai para a corrida derrotado. E, depois, é uma pessoa calma, não se enerva, não pensa que vai correr mal. E ele cresce quando é líder, enquanto há outros que ficam nervosos. Isso são sinais de um líder, de um corredor talhado para ser líder, que assume e dá confiança aos outros à volta dele. Essa é a qualidade de um campeão, a de assumir”, resumia, em 2020, José Poeira, à Lusa, depois de Almeida ter feito sonhar o país com os seus 15 dias de rosa.

Essa qualidade elogiada pelo selecionador nacional foi por demais evidente nesta Volta a Itália, na qual o ‘dono’ da camisola da juventude foi, em cada presença diante dos jornalistas, recordando que era ele o chefe de fila da UAE Emirates – numa mensagem que poderia ser dirigida tanto para dentro como para fora -, reiterando que queria acabar no pódio e, até, lutar pelo primeiro lugar, demonstrando uma confiança reforçada nas suas capacidades, sempre com grande serenidade e inabalável crença em si próprio.

Almeida, que, por vezes, parece impassível nas derrotas, quase indiferente, desta vez nunca escondeu que menos do que o pódio não seria suficiente para si, depois de ter sido quarto na sua primeira participação, sexto em 2021 – após ter trabalhado para Remco Evenepoel – e ter abandonado no ano passado, devido à covid-19, uma desilusão ‘compensada’ pelo quinto lugar na Vuelta2022.

Aos 24 anos, e com uma enorme margem de progressão à sua frente, a ‘Pantera’ – assim o batizou a mãe, Ana, no momento em que o viu de fato completo de contrarrelógio quando liderava o Giro Ciclístico d'Italia (a versão sub-23 da ‘corsa rosa’), no qual haveria de ser segundo, em 2018 – confirma aquilo que José Poeira percebeu mal o caminho dos dois se cruzou.

O selecionador nacional conhece o corredor de A-dos-Francos, que antes de se render ao BTT e, posteriormente, ao ciclismo de estrada, ainda andou no futebol e até no rancho folclórico local, desde que o ‘convocou’ para um estágio de cadetes e ficou impressionado com a prestação do miúdo, quer nos testes progressivos, que detetaram que este tinha “capacidades muito acima da média em relação aos outros cadetes”, quer no treino conjunto com os juniores, em que atacou numa subida para ser apanhado lá no alto por apenas três ciclistas do escalão superior.

Não foi o único: em 2017, com apenas 19 anos, foi contratado pelos búlgaros da Unieuro Trevigiani, uma ‘porta’ internacional que se abriu e o levou, inevitavelmente, à ‘fábrica de talentos’ da Hagens Berman Axeon, onde esteve duas temporadas antes de dar o salto para a então melhor equipa mundial, a Deceuninck-Quick Step.

Foi na formação belga que este confesso fã de Fórmula 1 primeiro se notabilizou, naquele Giro2020 de boa memória, ao qual chegou depois de ter sido um gregário de luxo para Remco Evenepoel nas vitórias do prodígio belga na Volta ao Algarve e na Volta a Burgos, provas em que foi, respetivamente, nono e terceiro na geral.

Mas seria 2021 o ano da confirmação de Almeida e, também, o do seu polémico ‘divórcio’ com a Deceuninck-Quick Step; iniciou a temporada com um terceiro posto na Volta aos Emirados, foi sexto no Tirreno-Adriático e chegou à Volta a Itália como colíder juntamente com um regressado Evenepoel, afastado da competição durante longos meses devido a uma queda na Volta à Lombardia.

A liderança repartida fez correr ‘rios de tinta’, com a rivalidade com Remco a ser alimentada, essencialmente, desde Portugal, quer por comentadores, quer por adeptos recém-chegados ao ciclismo, incapazes de analisar friamente o facto de o português ter perdido muito tempo na quarta etapa e de o belga estar à sua frente na geral. A polémica continuou até ao abandono de Evenepoel, com Almeida, como já é seu hábito, a ir de mais a menos e a ‘galgar posições’, até terminar em sexto, empatado em tempo com o quinto, o colombiano Daniel Martínez (INEOS).

Apesar de ter vencido a Volta à Polónia e a Volta ao Luxemburgo, a parceria entre o então campeão nacional de contrarrelógio e a Deceuninck-Quick Step estava ‘condenada’, com o corredor de A-dos-Francos a deixar-se seduzir pelos milhões de UAE Emirates, entre as várias ofertas que teve em cima da mesa.

O primeiro ano na equipa dos Emirados, cuja concentração de estrelas e líderes nem sempre torna fácil a coabitação em corrida, pareceu de adaptação: além do título de campeão nacional de fundo, venceu uma etapa na Volta à Catalunha – foi terceiro na geral - e outra na Volta a Burgos - onde foi segundo no pódio final -, mas viu-se ultrapassado na hierarquia da UAE na Vuelta, por um Juan Ayuso, que, na estreia em grandes Voltas e apenas com 19 anos, foi terceiro numa geral ganha por… Evenepoel.

Almeida não se deixou perturbar pela pressão interna (nem pela externa) e traçou o seu percurso com segurança esta temporada: foi sexto na Volta ao Algarve, segundo no Tirreno-Adriático (atrás de Roglic) e na Catalunha, aí atrás do agora vencedor do Giro2023 e de Evenepoel.

Na ‘corsa rosa’, surgiu de bigode – apesar das insistentes perguntas, nunca quis justificar a mudança de visual –, com uma confiança renovada e também mais atento à colocação em corrida, mais respaldado pela sua equipa e com uma nova postura atacante, que ainda assim não ‘apagou’ a sua característica mais elogiada: o nunca desistir.

(Com Lusa)
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