No pavilhão da escola EB 2,3 Professor António Pereira Coutinho juntaram-se, numa quinta-feira à noite, um grupo de campeões nacionais. É o Grupo Desportivo de Deficientes de Alcoitão, campeão 24/25 da Liga de BCR, ou Basquetebol de Cadeira de Rodas.
Aos poucos, enchem um dos cantos do pavilhão e preparam toda a logística para mais um treino. Para além das bolas os atletas preparam as suas cadeiras numa cadência bem ritmada de quem sabe o que está a fazer e porque o faz de semana para semana.
O treinador Fernando Lemos mobiliza toda a equipa para mais um treino, numa altura em que são dadas medalhas e se lembra o título conquistado. Em conversa com a RTP, o treinador falou um pouco da história do clube, do que significa e do que pode vir a representar no futuro.
A pandemia não veio ajudar uma equipa que andava pelo meio da tabela, mas o compromisso de várias pessoas permitiu dar a volta aos acontecimentos. Fernando Lemos acredita que a captação de jovens ajudou depois de o GDD Alcoitão ter atravessado um “período das pedras”.
Questionado sobre as “dificuldades” na modalidade, o treinador quis deixar claro: “Dificuldades não têm nenhumas. Eu não gosto dessa palavra, essa palavra serve para esconder muita coisa e eles não têm dificuldade nenhuma. A única coisa que têm é adaptabilidades”.
Fernando Lemos compreende a questão, especialmente para quem não está habituado ao basquetebol de cadeira de rodas, mas garante que todos os atletas têm uma vida normal e que tal como qualquer outro apenas querem superar-se e relembrou a letra de Rui Veloso: “Há muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa”.
O técnico relembrou também o apoio da Câmara Municipal de Cascais que tem ajudado o clube a manter-se em competição com a compra de cadeiras (individualizadas), transporte e a disponibilização de pavilhões para treinos e jogos do campeonato de BCR.
A captação e formação tornaram-se um dos principais pilares para o GDD Alcoitão e Fernando Lemos explicou que ver os treinos é uma grande ajuda: “A partir do momento em que eles chegam cá é complicado não quererem ficar. É um desporto tão espetacular e eles acabam por ter a maior diversidade de pessoas com eles”.
Feliz pela conquista do título, Hugo Maia é o capitão do GDD Alcoitão e da seleção nacional e mostra-se como um dos principais promotores do clube. Aos 46 anos, o atleta diz-se orgulhoso do trabalho feito nos últimos cinco anos e com a conquista de um título que fugia há 30 anos.
Hugo Maia acredita que o papel de capitão tem muito de “trabalho personalizado” para manter os colegas motivados. “Temos de ser pais às vezes, ser os maus da fita e andar ali com o chicote na mão”. O jogador afirmou que há muito trabalho de fundo para manter o BCR vivo e para que as equipas consigam captar jogadores para haver sucesso no futuro da modalidade. Questionado sobre as dificuldades logísticas que enfrentam todos os dias, Hugo Maia explicou que um dos primeiros problemas e não poderem treinar num campo de medidas oficiais, o que trava a evolução da equipa que quer ser cada vez mais competitiva.
“Acabamos por jogar sempre fora. Foi a única coisa que nos dificultou mais o trabalho da época face às outras equipas que apresentavam um nível muito equiparado ao nosso. E isso faz toda a diferença”, disse o jogador que explicou que a parceria com a Câmara Municipal de Cascais tem sido fulcral para suprir muitas outras necessidades.
O jogador de 46 anos falou também sobre as cadeiras, um dos elementos principais do jogo. São individualizadas e personalizadas à lesão de cada atleta.
“Todos nós temos patologias diferentes. Há vários paraplégicos, mas mesmo dentro dos paraplégicos a lesão na coluna pode ser mais abaixo ou mais acima. E para que um jogador tenha o maior rendimento possível, nós precisamos de ter uma cadeira adaptada à nossa patologia. Para conseguirmos tirar o maior partido possível das qualidades e das competências de cada jogador”.
O capitão explicou que cada cadeira é adaptada à patologia do jogador e às suas medidas e que com as medidas ideais, os atletas podem tirar o máximo rendimento das suas capacidades.
“Não é fácil conseguir estes apoios e estas cadeiras porque, no mínimo, uma cadeira, com uma qualidade média, anda na casa dos quatro mil, 4.500 euros. Uma qualidade boa anda na casa dos 6.500 e conseguir estes apoios para comprar estas cadeiras não é fácil. A Câmara de Cascais tem-nos ajudado neste sentido, há algumas campanhas de crowdfunding e de mecenato de empresas que têm-nos permitido adquirir estas cadeiras e não nos podemos queixar. Temos um leque de cadeiras recentes para a maioria dos jogadores”. Como um dos veteranos da modalidade, Hugo Maia tenta sempre chamar muitas pessoas ao desporto adaptado. Dando exemplos práticos da tentativa de recrutamento, o capitão do GDD Alcoitão disse que têm de ser os jovens a manter a sustentabilidade do BCR em Portugal e lembrou que o desporto adaptado faz a diferença na vida dos jovens pela maneira como dá confiança para enfrentar vários desafios da vida.
“A sociedade não está 100 por cento preparada para ti. Vai estando mais hoje em dia mas ainda não é a 100 por cento”.
A presidente do Grupo Desportivo de Deficientes de Alcoitão cedo começou a explicar a história deste clube tão peculiar do concelho de Cascais. Revelou que a origem do clube teve lugar no conhecido Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão há mais de 50 anos, que o tempo trouxe a separação com a instituição mas nem por isso acabou com o sonho dos que começaram a tradição do basquetebol em cadeira de rodas em Portugal.
“Para a equipa chegar a estes objetivos, parece muito simples mas na verdade não é. É um caminho muito longo, muito difícil, de muito sacrifício e duro e há muitas pessoas que trabalham por amor. Todos têm a sua vida, o seu trabalho, todos têm as suas atividades mas deixam de parte algum do seu tempo para isto. Há muito para fazer”.
A presidente do clube rapidamente deixou um apelo para quem possa ajudar, elogiou os atletas e explicou a importância do desporto para estes jogadores.
“Os treinos dão muita força física, mas principalmente muita força mental. Quem pratica o desporto adaptado torna-se invencível. Portanto, não há limites, não há barreiras e todos têm uma vida perfeitamente ativa, trabalham, estudam e são pais de família”.
Elizabeth Hunstock acredita que o desporto adaptado pode mudar vidas e mostra-se satisfeita com o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido e destaca a “paixão” com que a família do GDD Alcoitão se preocupa não só com o que acontece no campo como nas vidas pessoais de cada um.
Para além de destacar a parceria com a Câmara Municipal de Cascais, que ajuda com as cadeiras dos atletas e os transportes para jogos em várias partes do território português, Elizabeth lembrou a necessidade de haver mais quadros na equipa técnica.
“Há outras necessidades que precisaríamos de colmatar, mas que lamentavelmente ainda não conseguimos. Precisamos de fisioterapeutas, precisamos de treinadores-adjuntos, precisamos de massagistas porque os jogadores quando jogam também se lesionam e por vezes precisam de alguma fisioterapia e isso acaba por sair do bolso de cada um”.
Apesar dos obstáculos que a equipa sente todos os dias, a presidente mostra-se otimista para o futuro. Elizabeth quer o GDD Alcoitão a manter-se no topo do BCR, apostando em novos jogadores e a alcançar aquilo que ainda não foi alcançado para que os atletas atinjam o seu máximo potencial.