Anúncio de referendo grego surpreende líderes europeus

A decisão da Grécia de realizar um referendo sobre o novo programa de empréstimo financeiro a Atenas surpreendeu franceses, alemães e o Fundo Monetário Internacional, avança o jornal “Le Monde”. O diário escreve mesmo que o presidente Nicolas Sarkozy reagiu com “consternação”. As bolsas já refletem as novas preocupações sobre a viabilidade do plano europeu para travar a crise da dívida. O primeiro-ministro grego argumenta que o referendo vai fortalecer a democracia e responsabilizar o povo grego.

Raquel Ramalho Lopes, RTP /
“Temos o dever de dar prioridade e sublinhar o papel e responsabilidade do cidadão", justificava, ontem, Papandreou aos deputados do PASOK Pantelis Saitas, EPA

O presidente francês acreditava que já tinha resolvido o caso de falência da Grécia e que a Itália não seria atingida pelo contágio da crise, mas este referendo, previsto para Fevereiro, pode agravar a instabilidade na Zona Euro.

Uma eventual rejeição do plano de resgate por parte da população grega pode significar que Bruxelas vá mais longe na redução da dívida de Atenas, o que teria consequências graves para a Zona Euro.

De acordo com o diário francês, Sarkozy terá apelidado este gesto dos gregos de "irracional e perigoso".

A meio da manhã, o Eliseu anunciou que o presidente francês irá contactar por telefone a chanceler alemã, para falar sobre a crise grega.

O “Le Monde” também escreve que os alemães foram apanhados de surpresa, tal como o Fundo Monetário Internacional, apesar do comentário contido do porta-voz do ministério alemão das Finanças. "São desenvolvimentos da política interna na Grécia sobre os quais o governo federal não tem informações oficiais, e por isso não comenta", disse o porta-voz.

Já o líder parlamentar dos liberais, um dos partidos que integra o executivo, classificou "estranho" o comportamento do governo grego. "A decisão parece indicar que a Grécia quer livrar-se dos compromissos assumidos", disse Rainer Bruderle à emissora de rádio Deutschlandfunk.

"Não podemos aceitar que a Grécia não queira combater a sua própria miséria, mas espere receber generosas ajudas dos europeus", acrescentou.

Bruderle apelou ainda a Merkel para elaborar um plano B e um plano C, caso os gregos rejeitem em referendo a reestruturação da dívida pública em 50 por cento, decidida na cimeira da Zona Euro de quarta-feira passada.

"Se o povo grego rejeitar os acordos existentes, chega-se a um ponto em que a Grécia que não deve receber mais dinheiro, é necessário então evitar os riscos de contágio de uma bancarrota do país", acrescentou.

Um professor da Escola Europeia de Gestão e Tecnologia, em Berlim, disse à televisão ZDF que se os gregos votarem chumbarem a restruturação da dívida pública e os memorandos assinados com a chamada "troika" da UE e FMI "é possível" que a Grécia tenha de sair do euro.

Bolsas europeias em queda após anúncio de Papandreou
As bolsas europeias abriram esta terça-feira em forte queda, em virtude do anúncio do referendo. Em Paris, os títulos da banca eram os mais penalizados e contribuíam para que, às 8h30 o CAC40 descesse 3,69 por cento para 3.123,15 pontos.

Foram registadas perdas em Frankfurt, com o Dax a cair 4,32 por cento para 5.876,82 pontos. Em Londres, o Footsie 100 cedeu 2,72 por cento em comparação com o fecho de segunda-feira para 5.393,32 pontos. Em Madrid, o Ibex 35 recuava 3,49 por cento para 8.643,50 pontos.

Também as bolsas asiáticas espelharam as novas preocupações sobre a viabilidade do plano europeu para travar a crise da dívida. Singapura, Tailândia, Malásia, Indonésia e Vietname registaram perdas, com o mercado da Coreia do Sul a ser o único com registo de valorização (0,5 por cento).

Esta manhã, a bolsa de Tóquio estava a cair 0,8 por cento com o índice Nikkei a atingir os 8,920.86 pontos; em Hong Kong, o Hang Seng estava cotado nos 19,681.66 pontos, após ter registado perdas durante a sessão na ordem dos 0,9 por cento.

Papandreou quer voto de confiança
O primeiro-ministro grego anunciou ontem que vai realizar um referendo sobre o acordo alcançado na recente cimeira de Bruxelas. Papandreou quer também um voto de confiança do Parlamento.

Papandreou argumenta que o referendo vai fortalecer a democracia e responsabilizar o povo grego. “Temos o dever de dar prioridade e sublinhar o papel e responsabilidade do cidadão mostrando, na prática, não só o nosso respeito mas também o pensamento fundamental de que este cidadão é a fonte da nossa força e da nossa própria existência”, disse o governante aos deputados do PASOK.

Uma sondagem indica que mais de metade dos gregos considera negativo o acordo alcançado em Bruxelas, que prevê o perdão de metade da dívida do país pela banca e o reforço do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Ao mesmo tempo, foi atribuído um novo empréstimo de 100 mil milhões de euros.

A oposição é visível nos protestos contra as medidas de austeridade exigidas pelas instâncias internacionais em troca do empréstimo.

A comentadora da Antena1 Teresa de Sousa considera que, mais do que um referendo sobre futuras medidas de austeridade, este é um “referendo sobre a própria União Europeia”.

“O que vai estar em causa é se os gregos estão dispostos a aceitar este quadro de transformação económico-financeira do país no quadro da União Europeia, com as condições, a vigilância e a ajuda desta, ou se escolhem outro caminho”, explica a comentadora de política internacional.

Na perspetiva de Teresa de Sousa, o primeiro-ministro grego “vê-se obrigado a um jogo de tudo ou nada porque as políticas e sociais na Grécia atingiram uma deterioração que ele não tem força para vencer”.
PUB