Mundial2026. Rui Águas vê crescente prestígio a agilizar recrutamento

O crescente prestígio de Cabo Verde associado à inédita presença num Mundial pode agilizar o recrutamento de futebolistas na diáspora para a seleção, frisa o treinador português Rui Águas, que orientou os lusófonos em duas fases.

Lusa /
Foto: Alexander Joe - AFP

“Esse é o trabalho que se tem feito e há que continuar a fazer, porque é difícil recrutar em Cabo Verde, onde o campeonato nacional não é profissional e os jogadores dificilmente conseguem atingir o nível necessário”, referiu à agência o antigo avançado internacional português, de 65 anos, à frente dos ‘tubarões azuis’ entre 2014 e 2015 e de 2018 a 2019.

Na segunda-feira, Cabo Verde assegurou uma das nove vagas diretas de qualificação africana para o Mundial2026, ao vencer na receção ao Essuatíni (3-0), na Praia, para a 10.ª e última jornada do Grupo D, terminando com 23 pontos, contra 19 dos Camarões, segundos classificados e recordistas de presenças em fases finais no continente (oito).

“Cabo Verde pode tirar partido, não só desportivo, mas em várias áreas. Ir ao Mundial vai valorizar pelo futebol um pequeno e pobre país e tem de ser potenciar o mais possível o que esta oportunidade dá. Eles vivem muito do turismo e estou certo de que isso vai ser incrementado. Depois, outras responsabilidades se levantam. Acredito que exista algum investimento em infraestruturas e nos treinadores, que são a base do desenvolvimento dos jogadores. Só vejo vantagens”, explicou o ex-ponta de lança de Benfica e FC Porto.

A estreia no Mundial coroa um trajeto ascensional na última década de Cabo Verde, que detetou talentos na diáspora e cresceu em competitividade, num processo efetuado por vários selecionadores, incluindo Rui Águas, fazendo com que 25 dos 37 jogadores com minutos na caminhada até à fase final tenham nascido no estrangeiro - 13 em Portugal.

“Muitas vezes, esbarrámos na dupla nacionalidade de atletas que jogavam em Portugal, nos Países Baixos ou em França e que, pela sua idade na altura, quiseram esperar por uma oportunidade nas seleções dos países onde residiam. Ninguém pegou num avião e foi falar com eles. Que me lembre, isso nunca aconteceu. Fez-se os contactos possíveis, por telefone ou nas redes sociais, e recebemos informações de emigrantes”, rebobinou.

Esse trabalho longe do relvado permitiu, entre outros casos, persuadir o defesa central Roberto Lopes, nascido na República da Irlanda e filho de pai cabo-verdiano, que foi contactado por Rui Águas através da plataforma LinkedIn em 2018, mas só respondeu à segunda mensagem, escrita em inglês, após ter ignorado o convite inicial, em português.

“Percebi o valor que tinha para uma posição tão difícil quanto importante e decisiva e ele conseguiu colocar a seleção num nível de segurança que nunca tinha tido. Foi muito bom e houve alguma sorte por ele ter mostrado essa abertura. É um fulano com espírito muito simpático, harmonioso e colaborante”, traçou sobre o jogador, mais conhecido por Pico, que está a caminho da reconquista do título de campeão irlandês pelo Shamrock Rovers.

Roberto Lopes, de 33 anos, foi totalista em nove das 10 partidas de Cabo Verde rumo ao Mundial, objetivo alcançado sob orientação do ex-capitão Pedro Brito, vulgo Bubista, que foi adjunto do português João de Deus e de Lúcio Antunes, antes de substituir Rui Águas.

“Apercebi-me por contactos que ele é uma boa pessoa. Independentemente dos métodos, um selecionador vive muito dessa capacidade de reunir, ser justo e criar um ambiente que seja bom para que os resultados apareçam. Esta equipa espelha isso. Formar um coletivo nunca é simples e o espírito que se cria é muito obra de quem está à frente”, enquadrou.

Reconhecendo ter procurado acrescentar ao futebol cabo-verdiano a nível de formação e organização, Rui Águas orientou a seleção em 23 jogos e levou-a à segunda de quatro presenças na Taça das Nações Africanas (CAN), em 2015, sem superar a primeira fase.

“Os jogadores sabiam e sentiam perfeitamente o que era importante conseguir atingir, o valor que um resultado tinha para aquele povo e a alegria que havia quando se ganhava. Por estranho que possa parecer, até porque tive outras conquistas na carreira, [estar em Cabo Verde] foi uma das melhores coisas que tive em termos de futebol. Num meio mais simples, vivi períodos muito difíceis de esquecer”, disse, feliz pelo recente feito nacional.

Cabo Verde começou a competir no futebol internacional em 1978 e necessitou de 50 jogos, repartidos por sete fases de apuramento, desde 2002, para se estrear no Mundial, patamar atingido também pela primeira vez nesta década no andebol e no basquetebol.

“Não se explica pelos meios e pelo poder, mas pelo talento. A raça cabo-verdiana é muito talentosa no desporto, na música, na literatura e na dança. Esta mistura de valias decorre se calhar da mistura de sangues que a história acabou por trazer. É um país com poucos recursos, mas com uma força humana que consegue estes pequenos milagres”, avaliou, aludindo a uma nação de 10 ilhas, com quase 525.000 habitantes e 4.000 quilómetros quadrados.

Fernando Varela projeta mais visibilidade para Cabo Verde
A inédita presença de Cabo Verde no Mundial vai trazer maior visibilidade ao país que se tornou independente de Portugal há 50 anos, mostrando a qualidade dos seus futebolistas ao mundo, projeta o ex-internacional Fernando Varela.

“Estar no Mundial vai abrir portas para o jogador cabo-verdiano e fará grande marketing em torno da seleção, pois toda a gente vai olhar de maneira diferente para um país tão pequeno e ver que há qualidade. Apesar de o campeonato interno não ser muito forte, houve sempre jogadores que se destacaram, vieram para Portugal, jogaram em equipas boas e, depois, rumaram a Ligas no estrangeiro”, disse à agência Lusa o antigo defesa central, de 37 anos, com 52 jogos e quatro golos pelos ‘tubarões azuis’, de 2008 a 2019.

Na segunda-feira, Cabo Verde assegurou uma das nove vagas diretas de qualificação africana para o Mundial2026, ao vencer na receção ao Essuatíni (3-0), na Praia, para a 10.ª e última jornada do Grupo D, terminando com 23 pontos, contra 19 dos Camarões, segundos classificados e recordistas de presenças em fases finais no continente (oito).

“Houve sensações de euforia e alívio pelo muito trabalho efetuado. Quando eu entrei na seleção, já havia esse objetivo de estar numa grande prova internacional e o sonho foi concretizado por estes jogadores, treinador, ‘staff’ e dirigentes. Existe um mérito muito grande deles e temos orgulho neste grupo, que estará para sempre na história”, notou.

A estreia no Mundial coroa um trajeto ascensional na última década de Cabo Verde, que detetou talentos na diáspora e cresceu em competitividade, aproveitando a extensão de cinco para nove vagas diretas em África, mais uma via play-off, para fazer história, numa fase em que é 70.º colocado do ranking da FIFA - tinha evoluído de 182.º em 2000 para 27.º em 2014 -, já depois de quatro participações na Taça das Nações Africanas (CAN).

“A chave do sucesso foi os jogadores da diáspora não terem grandes esperanças nem pensarem que iam para uma seleção com grandes condições, mas saber que tinham de dar tudo e mais alguma coisa e estarem preparados para cada situação. A resiliência e o poder de encaixe para ultrapassar as dificuldades distinguem o jogador cabo-verdiano”, avaliou Fernando Varela, notando que a “luta constante faz parte do sacrifício do povo”.

Vendo “influência máxima” do ex-capitão e atual técnico Pedro Brito, mais conhecido por Bubista, que começou como adjunto do português João de Deus e de Lúcio Antunes e está a provar a sua "competência e aprendizagem”, o ex-central frisa que “antes era difícil convencer atletas de tamanha qualidade a virem à seleção com o maior orgulho e prazer”.

“Há figuras mais antigas, como Vozinha, Stopira, Ryan Mendes ou Garry Rodrigues. Já a nova geração tem Logan Costa, Steven Moreira, João Paulo e Dailon Livramento, que também querem deixar o seu nome e já fizeram uma história que nunca vai ser apagada. Todos são importantes, já que é preciso ter coesão para atingir estes patamares”, referiu.

Fernando Varela terminou a carreira em julho e está grato por assistir ao auge do futebol cabo-verdiano, mesmo como adepto, após ter participado nas primeiras duas campanhas do país na CAN, com uma ida aos quartos de final (2013) - repetida na última edição, em 2023 - e um afastamento na primeira fase (2015), sob comando do português Rui Águas.

“A CAN abriu portas para que Cabo Verde pudesse sonhar em estar em qualquer palco, mas estar no Mundial não se compara a nada. Visto de fora, foi um orgulho imenso. Tive momentos de ‘déjà vu’ e uma lágrima no olho no último jogo, porque senti aquilo que os atletas estavam a sentir em campo. Só quem está lá dentro e veio muito de trás sabe o quão difícil é. Já podia ter acontecido mais cedo, mas chegou na altura certa”, traçou o autor de um dos golos da primeira vitória do seu país na CAN, frente à Angola, em 2013.

Cabo Verde tornou-se o 14.º país africano, e quarto lusófono, a apurar-se para Mundiais, sendo, para já, o segundo menor país em população e a mais pequena nação em área a chegar ao principal torneio planetário de seleções, cuja 23.ª edição decorre entre 11 de junho e 19 de julho de 2026 e vai contar pela primeira vez com 48 equipas - 28 já estão apuradas -, numa inédita organização tripartida entre Estados Unidos, México e Canadá.

“Poderemos esperar uma equipa com muita competência e a saber o que faz. Como não tem muita experiência nestes palcos, se calhar vai aguardar para sair em contra-ataque. Agora, vai entrar nos jogos para desfrutar, aproveitar os momentos e ser feliz. O principal foco tem de ser fazer as coisas bem. Se der para ganhar, será espetacular”, desejou o ex-futebolista de Estoril Praia, Trofense, Feirense, Casa Pia e Alverca, nascido em Cascais, que se sagrou bicampeão romeno pelo FCSB e campeão grego com o PAOK Salónica.



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