Estrela da Amadora foi `europeu` há 30 anos na Taça das Taças

por Lusa
Foto: Estrela da Amadora@facebook/DR

O Estrela da Amadora cumpria há 30 anos, no dia 19 de setembro de 1990, o primeiro jogo europeu da sua história, recebendo na primeira eliminatória da Taça das Taças o Neuchâtel Xamax, adversário suíço que eliminou.

Era uma quarta-feira à noite na Reboleira, ou Estádio José Gomes, como tinha passado a ser designado, no ano anterior, o estádio na Amadora, e a equipa orientada então por Manuel Fernandes viveu a ‘outra' glória envolvida na conquista ao Farense da Taça de Portugal de 1989/90: a participação na Taça dos Clubes Vencedores de Taças, ou Taça das Taças.

De um lado, uma equipa suíça que vinha da vitória na Taça Intertoto, ganhando o direito de ‘subir' nas competições europeias, e que era orientada pelo inglês Roy Hodgson, saído do campeão Malmö, na Suécia, e a caminho de um périplo suíço em que orientaria a seleção e o Grasshoppers, com Inter de Milão (Itália) pelo meio de numa carreira que ainda dura hoje, aos 73 anos, no Crystal Palace, após passagem pela seleção inglesa.

Do outro, um Estrela recheado de nomes que tinham marcado a década de 1980, por um lado, e outros que marcariam a que então começava, com os ‘veteranos' Duílio, Álvaro Magalhães (acabado de chegar do Benfica), Rebelo ou o guardião Vital, além de Agatão, a imporem respeito.

De mãos dadas com a experiência, sob o comando de Manuel Fernandes, que tinha dado a José Mourinho o primeiro cargo em equipas sénior, depois de vários trabalhos nas camadas jovens do Vitória de Setúbal, estavam os futuros internacionais ‘A' por Portugal Dimas, Paulo Bento ou o ‘menino' Abel Xavier, então com 17 anos.

O defesa lembra que, embora já tivesse feito "alguns jogos internacionais pelas seleções jovens", estreou-se na Europa de clubes no seio de um "plantel fantástico" e ao serviço de um clube "simpático", de uma zona periférica e que representava "classes minoritárias" e os bairros do município, muitos "com dificuldades", enquanto Manuel Fernandes descreve, à Lusa, o "clube do povo" de quem todos gostavam.

Xavier recorda os "jogos fantásticos, num ambiente muito especial", tanto fora de casa como na Amadora, onde se sentia "a proximidade do adepto", começando por um empate caseiro com os suíços, façanha do nigeriano Ricky, aos 26 minutos, entrando para a história com o primeiro golo europeu do Estrela antes do empate, uma grande arrancada do ‘7' Beat Sutter, aos 57.

O ‘astro' suíço voltou a fazer das suas em 03 de outubro, com um grande remate cruzado aos 49, antes de o ‘reforço' da defesa Valério, vindo do Boavista, ‘gelar' o Estádio La Maladière, a marcar de cabeça aos 82 o golo que dava o empate na eliminatória.

Na marcação dos penáltis, nem um homem ‘tricolor' falhou da marca do ‘castigo máximo' e o Estrela venceu por 4-3, algo que Abel Xavier, que cumpriu 92 partidas e marcou cinco golos pela equipa entre 1989 e 1993, descreve como sendo "inimaginável".

Na prova que acabou por coroar o Manchester United de Alex Ferguson, ante o FC Barcelona de Johan Cruyff, seguiram-se, na segunda ronda, os belgas do Liégeois (agora RFC Liège), hoje em dia conhecidos pelo ‘escândalo' que deu origem à Lei Bosman.

Orientado pelo futuro treinador do Sporting Robert Waseige, o ‘outro' emblema de Liège, que não o Standard, ostentava cinco títulos de campeão da Bélgica, tinha vencido a Taça e, recorda Manuel Fernandes, era presença assídua nas competições europeias.

Foi osso mais duro de roer: na primeira mão, na Bélgica, 2-0 com golos a abrir e a fechar: o sérvio Malabasa, aos sete minutos, e o bósnio Milosevic, aos 86.

Sob chuva e vento fortes que se abateram sobre Lisboa em 07 de novembro de 1990, o Estrela recebia no Estádio José Gomes os rivais belgas, com o ‘capitão' brasileiro Duílio a bater um livre que, desviando num defesa, dava alento aos amadorenses.

Sem conseguir igualar o resultado da primeira mão do Liégeois, ficou pelo caminho o Estrela da Amadora, que só voltaria à Europa em 1998, para pagar do próprio ‘veneno': após um empate a duas bolas nas duas mãos com os polacos do Ruch Chorzów, caiu no desempate por penáltis.

"A casa estava sempre bem composta, e nesses jogos europeus estava muita gente. O Estrela era um clube simpático, as pessoas gostavam de ir à Amadora. [...] Havia muita gente em Lisboa que gostava de ir ver, mesmo adeptos de outros clubes", atira Manuel Fernandes.

Mais tarde, a temporada acabaria por correr mal, tendo sido substituído por Jesualdo Ferreira, um "excelente treinador", e, mesmo com uma "boa equipa", a formação não se manteve na I Liga. "A uma certa altura, as coisas não correm bem, e quando se cai cá em baixo...", aponta.

Já Abel Xavier diz que o clube "nunca perdeu a força" e voltou rapidamente ao principal escalão, tendo falhado "talvez o planeamento" de uma época com a Europa no caminho, com um "campeonato muito longo e extremamente competitivo e difícil", no qual o clube foi "da alegria à tristeza", um golpe "bastante duro".

Hoje em dia, e depois de uma maré de dívidas que o retirou do primeiro escalão em 2008/09, antes de ter sido declarado insolvente (2010), e de ter sido refundado por seis sócios (2011) e fundido com o Club Sintra Football (2020), o ‘novato’ Club Football Estrela da Amadora SAD ergue a bandeira do seu passado no Campeonato de Portugal, terceiro escalão do futebol nacional.

Manuel Fernandes e Abel Xavier desejam regresso do Estrela, um “clube do povo”
O treinador Manuel Fernandes e o antigo defesa Abel Xavier, que passaram pelo Estrela da Amadora nos anos 1990, afirmaram à Lusa desejar que o ‘velho' Estrela possa regressar, pela sua qualidade de "clube do povo".

"Desejo-lhes o melhor possível. Fui um dos jogadores de uma geração que deu mais valias, fruto de uma formação muito bem conseguida. Olhando para uma estrutura, não deve ser só [a pensar na] equipa principal, deve ser [a pensar na] sustentabilidade", atira Abel Xavier, em declarações à Lusa quando se assinalam 30 anos da presença do clube na Taça das Taças.

Por outro lado, um emblema criado após a extinção do clube ‘original' fundou-se este ano com o Club Sintra Football para criar o Club Football Estrela, que vai disputar o Campeonato de Portugal, assinalando o regresso aos escalões nacionais do emblema do distrito de Lisboa.

"Foi um clube que gostei de treinar, um clube simpático e com gente mesmo da Amadora, que gosta mesmo do clube. O que desejo é que depressa regressem ao convívio dos grandes, na I Divisão Nacional. Há clubes que fazem falta", exclama Manuel Fernandes, que orientou o ‘tricolor' nessa época de 1990/91, em que foram até à segunda eliminatória da Taça das Taças, mas também despromovidos à II Liga.

Manuel Fernandes lembra a massa adepta ferrenha e a característica de "clube do povo" que a formação da Amadora sempre teve, com Abel Xavier a lembrar que este emblema representava as classes mais baixas e sub-representadas, além dos bairros, e tinha "muitos simpatizantes".

Agora, vê no atual ‘porta bandeira' um projeto "muito corajoso", pedindo-lhe atenção à formação e à ligação à comunidade, porque o Estrela "é necessário à zona de mercado, pela natureza dos bairros" e pelo espaço "que o Estrela perdeu e tem de voltar a ganhar, voltar competitivo e forte, e acrescentar valor, acima de tudo, às pessoas da Amadora".

O antigo internacional português, hoje treinador, começou a carreira profissional no Estrela da Amadora, com 92 jogos e cinco golos pelo 'tricolor' entre 1989 e 1993, antes de se mudar para o Benfica.

Com 16 aparições na I Liga e vencedor da Taça de Portugal em 1990, o CF Estrela da Amadora abandonou a elite em 2008/09, arrastado por uma maré de dívidas, e foi declarado insolvente em 2010, um ano antes de ser refundado por seis sócios, como Clube Desportivo Estrela, no intuito de herdar o legado do histórico emblema da Reboleira.

Os ‘tricolores' apostaram nas camadas jovens até 2017/18 e ressurgiram no patamar sénior daí em diante, evoluindo nas divisões da Associação de Futebol de Lisboa até negociar a fusão com o Club Sintra Football em julho, permitindo a estreia do novato Club Football Estrela da Amadora SAD na próxima edição do Campeonato de Portugal.


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