OLÍMPICOS - CRÓNICA DE BASTIDORES "Lavar a Alma"

por João Pedro Mendonça - RTP
RTP

Há exatamente cinco anos, roubei, confesso. Roubei uns 20 minutos ao trabalho e corri como um menino do Rio para o areal. Devo ter levado uns grãos de areia dourada e fina nos pés para a zona de provas, mas compensou. Ninguém parece ter notado.

Toquei no nosso mar do outro lado dele.
 
Guardei a sensação cálida, sequei a mão na cara.
 
Mas foi impossível não levar mais dali.

Eu e o Hugo Antunes olhámo-nos. 
-Vamos? Temos muito tempo até eles chegarem...

O Hugo concordou. Mas...
- Não temos é fato de banho...
 
Dou uma gargalhada.
- É pá... ainda agora vimos aquele tipo ali no calçadão com uma sunga mais horrível que as minhas cuecas!

Foi a vez do Hugo gargalhar.

O Hugo é um repórter de imagem fabuloso que ri de olhos cor de mar quando está feliz.
- 'Bóra!! É já!

Praia deserta. O acesso é interdito a peões não Olímpicos pela polícia, grades, espingardas militares. O sítio mais seguro do mundo, no Rio, ironia olímpica.
 
Assentei o tripé na areia, a camara nele, mochilas aos pés. Roupa, telefones, carteira, sapatos.
Tudo o que só um louco largaria ali num dia menos histórico.

Fiz como só tinha visto nas novelas. Passada larga, linha de água, primeira onda, ZÁS!

Em 30 segundos de apneia, ganhei o Atlântico pelo corpo todo. É luxuosamente cálido, aquele mar. Com a graça da turbulência dócil, daquelas ondas com mais calor e espuma que força, como a cerveja brasileira.
 
E no entanto, embalam-me o mergulho para a frente e para trás, pelo meu prazer de me deixar levar.

Ondulei e encalhei de propósito para desabafar, como o Álvares Cabral deve ter feito num bote.

Saí para respirar e voltar a transpirar. Tinha sabido a ouro do Brasil uma água de coco, mas não há disso em praias urbanas desertas.
 
O Hugo está de volta com um sorriso de boca e olhos ainda mais azul.

Saímos. Não me lembro de termos secado antes de voltar a vestir e suar. Preciso não era, seguramente, exceto por código de conduta e sigilo profissional.

Pés na areia, de regresso à zona mista. Ainda esperámos tanto por atletas que apeteceu voltar lá 5 vezes.

5 anos certo, diz a agenda abelhuda do Facebook.

Olho pela janela. A cor de Tóquio diz-me que vai chover.

Acabei de editar a peça do jornal da Tarde. É cedinho, dormi 4 horas, mereço roubar ao portátil uma fuga para baixo e para a frente.

Desço no elevador. Há uma equipa de tv alemã que dá prioridade aos bagos húmidos que já fazem uma cortina à nossa frente. Vamos lá!

A jornalista faz um ar divertido e atónito quando me vê avançar. Explico-me:
- Esta chuva é grossa mas é quente!
 
E sigo. Faço o quarteirão a pé, num vagar propositado, cara virada para cima, às vezes. Deixo que o chuveiro me alague.
 
Este cheiro de solo molhado é um bem sem preço e universal. Volto de memória a uma trovoada de Monsanto, em frente ao palheiro da horta. É incrível como conseguimos tirar-nos de um Tóquio ou de um Rio qualquer quando sabemos dar um empurrão nas saudades de casa.

E a foto, como a de um sequioso japonês que se atira de lente e flash a tudo, fica guardada aqui.
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