Milhares de argelinos saíram às ruas esta quinta-feira, dia de eleições presidenciais. Em vez de ir votar, preferiram juntar-se em marchas de protesto e de apelo ao boicote, que se organizaram em todo o país. O movimento, Harak, de contestação, não desistiu.
En el Ecole Pasteur en el centro de #Argel a las 17h había 21 votos en una urna donde había inscritos para votar 217 ciudadanos. Las elecciones de #Argelia pendientes del escrutinio hasta mañana pic.twitter.com/1ECBcpBsyz
— Sonia Moreno (@sonietamb) December 12, 2019
Espera-se que, à semelhança de outras eleições em anos anteriores [em que a abstenção apresentava às mesmas horas valores semelhantes], os números oficiais da participação rondem os 50 por cento dos eleitores. As eleições presidenciais argelinas decorreram sem a presença de observadores internacionais.
Horas depois e a poucos metros dali, agentes de segurança carregaram, para impedir à força de bastonada o avanço de um protesto contra as eleições. Recuaram quando uma onda de manifestantes se juntou ao Harak.
Incidentes, manifestaciones y abstención en cuestionadas elecciones presidenciales en #Argelia https://t.co/9Fn6naKXzQ pic.twitter.com/EeP4Y3w3Ip
— Atlantide (@Atlantide4world) December 12, 2019
A sua bandeira ostentava a frase sou argelino e não irei votar contra o meu país. Noutras bandeiras, agitadas pela multidão compacta, lia-se hoje não se vota, independência, Não se vota com a máfia.
"Não é altura para votar mas é o momento para passar a um debate nacional democrático e independente. E a única forma de conseguir um consenso sobre o futuro da Argélia", afirma Belghout.
Já outros não votam porque isso sempre foi inútil. "Para que serve ir votar?", questionou Salim Bairi, um professor primário entrevistado num café para a agência Reuters.
E Kamel Moumni, de 36 anos, encontrou tempo para ir ao dentista mas não para ir à sua assembleia de voto. Há anos que não vota e, garante, "não vou mudar de ideias hoje".
Charada
O escrutínio desta quinta-feira já tinha estado marcado, primeiro para abril e depois para maio.
O Governo de transição apoiado pelas forças armadas e chefiado pelo homem forte do país, o tenente-general Ahmed Gaed Salah, insistiu na sua realização como a única forma de por fim ao impasse entre manifestantes e Governo que paralisa o país há dez meses.
O Harak explodiu em fevereiro, quando Abdelaziz Bouteflika, Presidente desde 1999, pretendeu candidatar-se a um novo mandato, apesar de há meses não ser visto e de, aos 82 anos, a sua saúde estar extremamente frágil.
Bouteflika acabou por renunciar, sob pressão de Salah, que assumiu a condução do país e prometeu paz e novas eleições. Os manifestantes exigiam na altura que, além de Bouteflika, todos os que sustentaram e se serviram do sistema instituído se afastassem do poder.
Apesar da contestação e da detenção de dezenas de altos funcionários, incluindo antigos primeiros-ministros, ministros e empresários, acusados de corrupção, a elite tem-se mantido nos lugares chave do país. Os cinco candidatos à presidência são todos oriundos do sistema de poder, le Pouvoir, como é conhecido.
Abdelmadjid Tebboune e Ali Benflis foram ambos primeiros-ministros, Azzedddine Mihoubi foi ministro da Cultura, Abdelkader Bengrine chefiou a pasta do Turismo e Abdelaziz Belaid, é um antigo membro do comité central do FLN, o partido que governa a Argélia há dezenas de anos.
Para a população, estas eleições presidenciais não passam por isso de uma charada.
Votos pelo ar
Grande marche a Constantine contre le vote #constantine #algerie #argelia pic.twitter.com/XMgFYwha0h
— samy 🌆 ⵙⴰⵎⵉ (@noxsami) December 12, 2019
El dia de elecciones en #Argelia https://t.co/eOMu0Pf9KF
— Fatima MAKHOUKH فاطمة ماخوخ (@fatima_makhoukh) December 12, 2019
Não eleição dos bandidos.
— Ulac L Vote Ulac ✌🏻 (@ikhelafi) December 12, 2019
O que dirá o novo presidente uma vez eleito? Há um certo número de incertezas. #Argelia #nãoàeleiçãodosbandidos #quepartamtodos #Argélialivredemocrática #Algerie #Algerie_contre_les_elections #Algerie_Libre_Democratique #Yetna7aw_Ga3 https://t.co/iaaWhC9mPy
"O governo é corrupto. Tem de ser expurgado de uma maneira ou de outra", explica Aissa Ait Mohand, de 22 anos, filho de um agricultor desempregado, afirmando que os jovens da sua área consideram as eleições presidenciais "um truque" das autoridades para se manterem no poder.
Haizer foi palco de vários combates entre as forças armadas argelinas e grupos islamitas, há mais de 20 anos, que fez 200 mil mortos. Alguns dos revoltosos depuseram armas e acabaram por colaborar com as autoridades locais. Yahya, um deles, apoia o escrutínio.
"Costumávamos cantar por um estado islâmico sem eleições, em 1990. Acabamos com uma guerra civil", referiu à Reuters.
Os meses que antecederam as eleições foram marcados pelo Harak e por detenções arbitrárias de manifestantes comuns, de jornalistas, de advogados e de estudantes universitários, as quais motivaram um protesto oficial da União Europeia.
A semana passada, dois ex-altos responsáveis do executivo de Bouteflika começaram a ser julgados por corrupção, naquilo que o Governo de transição espera seja olhado como um sinal que as exigências dos manifestantes estão a ser respeitadas.
A Argélia, no norte do continente africano, é um dos principais fornecedores de gás natural da Europa e tem 40 milhões de habitantes.